De Passagem (Just passing through) is a play about a journey. You´ll just have to decide what kind of journey.
DE PASSAGEM, EDIÇÃO KINDLE
O jovem ROBERTO tirou um ano para ver o mundo. Chamem-lhe viagem iniciática, naquela tradição perdida do Grand Tour romântico. Vai de bicicleta, uma concessão à modernidade, de mochila às costas, sem rumo, desenhando paisagens aquáticas onde as encontra. Quando chega ao topo de uma montanha, no ermo, encontra ANTÓNIO, que nele se retirou, em conflito com a Natureza circundante. ANTÓNIO, doente, luta com a sua incapacidade de pôr termo à vida. ROBERTO apercebe-se, ao cair dessa noite, que lhe roubaram a mochila com tudo o que ele tinha. Dividido entre procurar os seus bens e deixá-los seguir caminho, decide passar a noite em casa de ANTÓNIO. E este usa o bom ROBERTO como arma involuntária para se suicidar. Pelas mesmas pitorescas montanhas deambulam, pedestres, dois cavalheiros cuja generosidade raia os limites da loucura. DOMINGOS e AUGUSTO são testemunhas benévolas das consequências do “crime” de ROBERTO. Pelas serranias floridas anda também MARIA RITA, com seu filho e marido, procurando (mas não excessivamente) o pai desaparecido.
DE PASSAGEM, EDIÇÃO KINDLE
O jovem ROBERTO tirou um ano para ver o mundo. Chamem-lhe viagem iniciática, naquela tradição perdida do Grand Tour romântico. Vai de bicicleta, uma concessão à modernidade, de mochila às costas, sem rumo, desenhando paisagens aquáticas onde as encontra. Quando chega ao topo de uma montanha, no ermo, encontra ANTÓNIO, que nele se retirou, em conflito com a Natureza circundante. ANTÓNIO, doente, luta com a sua incapacidade de pôr termo à vida. ROBERTO apercebe-se, ao cair dessa noite, que lhe roubaram a mochila com tudo o que ele tinha. Dividido entre procurar os seus bens e deixá-los seguir caminho, decide passar a noite em casa de ANTÓNIO. E este usa o bom ROBERTO como arma involuntária para se suicidar. Pelas mesmas pitorescas montanhas deambulam, pedestres, dois cavalheiros cuja generosidade raia os limites da loucura. DOMINGOS e AUGUSTO são testemunhas benévolas das consequências do “crime” de ROBERTO. Pelas serranias floridas anda também MARIA RITA, com seu filho e marido, procurando (mas não excessivamente) o pai desaparecido.
do espectáculo
DE PASSAGEM, texto de Luísa Costa Gomes,
encenação de Jorge Pinto,
Ensemble, Porto, Passeio das Virtudes,
Jardim da Cooperativa Árvore, 3 de Julho de 2014
encenação de Jorge Pinto,
Ensemble, Porto, Passeio das Virtudes,
Jardim da Cooperativa Árvore, 3 de Julho de 2014
PASSAGEM começou por ser uma opereta em cinco actos, em Inglês, cujo tema eram diversas formas de economia. Data de 1985 e chamava-se Just passing through. Tinha, na versão original e nas versões anteriores em Português, toda uma secção sobre a economia de mercado, representada por um grupo de Romanis de opereta, que tudo roubavam para vender, estabelecendo uma permanente atmosfera de desconfiança, mas também da alegria das feiras, da energia do engano e da manipulação, ou seja, o júbilo do valor acrescentado, do valor inventado, do valor concreto de uma ilusão. As personagens de Domingos e de Augusto, que no original eram Percy e Boyle, representavam a economia do potlatch, praticada por algumas tribos do Canadá como os Kwakiutl, hoje praticamente extintos, et pour cause, e também na Melanésia. O potlatch é uma competição pela dádiva, em que o valor e a qualidade dos bens dados como presente são sinais do prestígio de quem dá. Dar é a medida do estatuto social dentro da tribo: quem mais dá, mais pode e mais vale. Isto cria uma verdadeira competição pelo endividamento, escravizando, no final, a pessoa que oferece, obrigando quem recebe a retribuir de forma ainda mais generosa, e escravizando por sua vez aquele que recebeu. É uma economia da perversão da dádiva, que foi substituída nas versões em Português por uma economia da dádiva pura, que provoca um prazer quase viciante – lembramos o Fra Ginepro, companheiro de Francisco de Assis, que não podia ver um pobre sem lhe dar a túnica, aparecendo na choupana dos frades sempre nu! Maria Rita, a mãe (com o marido em efígie, como grande parte das mães), representa a economia que nunca é contabilizada, a economia do amor humano, que aparece ofuscante no amor materno: que é dádiva narcísica, um dar- recebendo, uma troca que nos primeiros anos se faz sobretudo consigo própria, projectando na figura do filho imagens de si e de outros seres por si construídos.
Faz pensar no poema de Herberto Helder : “No sorriso louco das mães batem as leves/ gotas de chuva. Nas amadas caras loucas batem e batem/os dedos amarelos das candeias./Que balouçam. Que são puras./Gotas e candeias puras. E as mães/aproximam-se soprando os dedos frios./Seu corpo move-se/pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões/e órgãos mergulhados,/e as calmas mães intrínsecas sentam-se/nas cabeças filiais./ Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado/vendo tudo,/e queimando as imagens, alimentando as imagens/enquanto o amor é cada vez mais forte./E bate-lhes nas caras, o amor leve./O amor feroz.”
Salvaguardadas todas as devidas distâncias, Percy e Boyle foram homenagem. Domingos e Augusto estão em muitos aspectos deliberadamente construídos para serem
o anti- Vladimir e o anti-Estragon, sem serem antíteses ponto a ponto. São homens que, como queria Bruno Schulz, “amadurecem para a infância”. Dois passeantes cuja candura, brio, alegria, deslumbramento genuíno e moral pelas belezas do mundo, cuja joie de vivre e optimismo tresloucado querem ser uma afirmação amorosa, humorosa e humorística sobre a nossa passagem neste vale de lágrimas.
Salvaguardadas todas as devidas distâncias, Percy e Boyle foram homenagem. Domingos e Augusto estão em muitos aspectos deliberadamente construídos para serem
o anti- Vladimir e o anti-Estragon, sem serem antíteses ponto a ponto. São homens que, como queria Bruno Schulz, “amadurecem para a infância”. Dois passeantes cuja candura, brio, alegria, deslumbramento genuíno e moral pelas belezas do mundo, cuja joie de vivre e optimismo tresloucado querem ser uma afirmação amorosa, humorosa e humorística sobre a nossa passagem neste vale de lágrimas.
PRÓLOGO
(Manhã de sol à beira de um caminho serrano.
DOMINGOS e AUGUSTO, à esquerda, contemplam um prado tão verde e tão florido como se conseguir imaginá-lo).
AUGUSTO (condoído) – E bateram-lhe?
DOMINGOS (prazenteiro) — Se me bateram? Claro que me bateram. Era o que tinham para me dar.
AUGUSTO – E você ? O que é que lhes deu?
DOMINGOS – Virei-me para o outro lado e continuei a dormir.
AUGUSTO – É de uma fleuma! Quem me dera.
DOMINGOS – Naquele momento não soube o que havia de lhes dar em troca.
AUGUSTO – A parada estava alta . E foi com varapaus?
DOMINGOS – Não, foi com a mão.
AUGUSTO – É mais íntimo.
DOMINGOS – É corpo a corpo. Dá trabalho.
AUGUSTO – Até o aqueceram! É que podiam não lhe ter batido...
DOMINGOS - Ignoravam-me, simplesmente, e passavam.
AUGUSTO – Porque não ficou comigo quando lhe pedi tanto?
DOMINGOS – Tem de me desculpar.
AUGUSTO – Você estava a sonhar, admita.
DOMINGOS – Sim, aquele sonho.
AUGUSTO – Não ia agora interromper com...
DOMINGOS – Sei lá quando é que volto a sonhar!
AUGUSTO (num gesto largo que abrange tudo) – Gosta?
DOMINGOS – Muito.
AUGUSTO – Dê-me o prazer de aceitar.
DOMINGOS – Obrigado.
AUGUSTO – Eu é que agradeço. Eu é que lhe agradeço.