PENTESILEIA de Heinrich Von Kleist no Teatro do Bairro
Dois séculos depois de ver a luz da primeira edição (215 anos, para sermos mais exactos) a peça de Kleist, Pentesileia, é finalmente e fielmente encenada em Portugal, por António Pires, numa nova tradução de Luísa Costa Gomes. Para Kleist, a verdadeira missão do dramaturgo é restaurar a grandeza da tragédia. A sua ambição de grandeza é insaciável e ela está presente em tudo o que escreveu. Não é da sua responsabilidade que a linha divisória entre a tragédia e a comédia seja tão fina. Kleist é o poeta das inseminações: o sonho insemina e infecta a realidade, que é, ela mesma, cheia de prodígios; Aquiles não é menos belo em pessoa do que na Ilíada, pelo contrário, reconfirma a fantasia e legaliza o desejo; Pentesileia não é pior guerreira, é mais selvagem ainda; o equívoco é apenas o confronto de duas linguagens literais. E, na situação-limite da guerra, como na paixão obsessiva, todas as fronteiras se esbatem. A realidade toma essa qualidade de alucinação ou sonho vívido. Goethe, falando de Pentesileia, reconheceu obviamente os seus aspectos de comédia involuntária e essa terá sido uma das razões do desconforto que lhe causou. Não só a ele. A Festa das Rosas, coroando o valor guerreiro das Amazonas com a sedução/violação dos prisioneiros, o embasbacamento de Pentesileia diante de Aquiles, as ridículas correrias de Aquiles atrás de Pentesileia e dela atrás dele, as fugas, os recontros, as reviravoltas do enredo que parece tecido por um deus brincalhão, o carnaval da paixão virótica que revira o mundo, tudo é de molde a tirar-nos do sério e do grave próprio das tragédias. Aqui, pela primeira vez, Kleist parece ter concebido a tragédia como emanando do interior, da disposição da sua heroína, a do coração maldito e incontrolável. Não há destino exterior, há um coração estúpido e incompreensível. A ferida não é tanto causada pela paixão, como pela humilhação que ela provoca e a fantasia masoquista de não se ter qualquer valor. Para alguém que se define pelo valor militar, a violência da consciência da fraqueza diante do seu próprio desejo é insuportável. A quem assiste, resta a compaixão pelo sofrimento patético, o horror pelo impulso suicidário. Mais do que físico, ele provém muitas vezes de contiguidades e similaridades fonéticas, ou seja, radicais, que inspiram e confundem. Essa linguagem equívoca, em que beijar e morder se equivalem porque as palavras são parecidas, criam o caos da indistinção em zonas ignotas, onde supuram como feridas: "Beijar, rasgar, até rima e quem ama do coração, pode bem tomar um pelo outro".
Luísa Costa Gomes (folha de sala)

O livro com o texto integral está editado e pode encomendá-lo online ou encontrá-lo no Teatro do Bairro em Lisboa.Foram feitos seis postais com algumas das minhas ilustrações para a Pentesileia. As ilustrações encontram-se em exposição no Teatro até 5 de Fevereiro 2023.
Sobre a peça em cena:
https://www.agendalx.pt/2023/01/12/a-peca-rara-de-um-natural-intriguista/
"Lar Doce Lar estreou em Setembro de 2012 no Auditório dos Oceanos em Lisboa e esteve três anos em temporadas e digressões. Desde 2015 que não era representado. Em 2022 a Força de Produção retomou o projecto e estreou em Abril no Teatro Maria Matos em Lisboa esta nova temporada. Vendo agora o espectáculo, o que me impressionou de novo foi o facto de ter achado na altura a vivência dos oitenta-no-lar tão extraordinariamente remota. Aquela era a geração dos meus pais, dos meus tios, a geração que fez a guerra e estava a retirar-se da vida. Eu sentia os oitenta anos tão longínquos como o Paleolítico. Agora tudo aquilo se aproxima vertiginosamente: os óculos que há dez anos ainda eram transparentes, e desfocavam com um gesto mais violento, hoje vêm armados de fortes armações. Não se mexem na cara e encontram-se facilmente em pontos estratégicos espalhados pela casa. Envelhecer é muito interessante. Muito chato, também. O que muda, sobretudo, é o ponto de vista. Com tudo isto, é natural que sentisse vontade de rescrever a peça, de recuperar e rever o meu texto, infuso no tal espírito de Feydeau, mas um Feydeau mais filosófico, quiçá mais rabugento. A verdade é que nunca o tinha terminado, e andava-me aí a peça editada em e-book com dois finais pendurados, numa confusão muito terceira-idadista. Agora tem um fim, que é, quero crê-lo, nítido e afectuoso, sem ser disparatadamente rejubilante.
Mas foi tal a volta que o texto até de título mudou. Saiu todo aquele enredo sobre o suposto arranjo de casamento dos filhos de Estela e Lurdinhas, e passou a chamar-se Quarto com Vista, numa referência óbvia a E.M.Forster mas também ao título da primeira reconhecida reivindicação do espaço próprio A room of One´s Own, de Virginia Woolf."
in Quarto com Vista, o único e a sua propriedade edições, teatro 6, segunda edição revista e rescrita, Julho 22
Mas foi tal a volta que o texto até de título mudou. Saiu todo aquele enredo sobre o suposto arranjo de casamento dos filhos de Estela e Lurdinhas, e passou a chamar-se Quarto com Vista, numa referência óbvia a E.M.Forster mas também ao título da primeira reconhecida reivindicação do espaço próprio A room of One´s Own, de Virginia Woolf."
in Quarto com Vista, o único e a sua propriedade edições, teatro 6, segunda edição revista e rescrita, Julho 22
QUARTO COM VISTA é o texto de que parte o espectáculo Lar Doce Lar, em cena até 25 de Setembro de 2022 no Teatro Maria Matos. Com Maria Rueff e Joaquim Monchique energeticamente distribuídos por oito personagens, encenação de António Pires e produção da Força de Produção.
O livro encontra-se à venda na bilheteira do teatro e online, em print-on-demand.
www.amazon.com/QUARTO-VISTA-Portuguese-LUISA-COSTA/dp/B0B5R7C4MP/ref=sr_1_3?qid=1660732167&refinements=p_27%3ALu%C3%ADsa+Costa+Gomes&s=books&sr=1-3
O livro encontra-se à venda na bilheteira do teatro e online, em print-on-demand.
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Projecto 48 Mulheres "Abril nas ruas de Lisboa" da EGEAC
(Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural da Câmara Municipal de Lisboa)
Quem me diria que havia de escrever no chão? Há quem escreva para a gaveta ou directamente para o caixote ou a arca dos inéditos. Pois calhou-me um convite para "vandalizar" discretamente uma porção de passeio do Terreiro do Paço com vista para o Cais das Colunas. É muito privilégio. O texto é inflamado e quer-se inflamatório, revela alguma ilusão de grandeza coordenada com o sítio. Orgulha-me ter ali um escrito, nem que seja transitório. Não pus no verso que queria escrever "na boca de incêndio", embora ficasse bem no enfiamento - mas purtroppo troppo poético.
Foto de Nuno Sousa Martins
PRÉMIO LITERÁRIO CASINO DA PÓVOA 2021
Esta sou eu um bocado ensonada depois de uma daquelas viagens embaladoras no Alfa para o Porto, a agradecer às Correntes d´Escritas terem gostado do meu livro de contos Afastar-se. Tinha preparado um discurso de sete páginas julgo que humorísticas sobre o conceito de "feliz contemplada", mas a presença online do Onésimo estragou-me o público. De maneira que rasguei o discurso e agradeci apenas a tudo e a todos, de contente que estava.
As fotos são de José Carlos Marques..
AFASTAR-SE, contos, 2021
Fui coleccionando ao longo de mais de cinco anos histórias sobre água. É bem capaz de ser a minha primeira colecção temática. A água aparece de alguma forma ligada a todos estes contos, mais larga ou mais discreta, na piscina adorada que é sítio de transmutação alquímica, no oceano aberto onde se experimenta o abandono e a sobrevivência, no duche redentor que muda em narrativa irónica uma experiência de quase morte, na saliva que prepara a cinza para a sua última morada. Será esta colecção, talvez, em subtítulo, uma reconciliação pela água, um livro termal, se quiserdes. E o que trespassa o livro é, feitas as contas, a reivindicação do primado da experiência vivida (seja ela de jibóias!), na elaboração formal que lhe faz a vénia. Na vida da água que nos faz sonhar (só de olhar) reconhecemos a nossa própria sobrevida.
(...)Giulia aprendeu com Byron a largueza dos vocábulos e dizia «paixão» a torto e a direito. Tudo eram paixões na sua adolescência, e entre todas a primeira, aquela de se atirar à água e de nadar para longe. Revia-se na descrição das proezas do Poeta, que desde criança se lançava a charcos, lagos, rios, canais, estreitos e a toda a água que se lhe atravessasse no caminho. Ainda na Escócia, nadava nos gelados rios Dee e Don, no colégio em Harrow montava no pónei e ia nadar num lago de patos ali perto. Em Cambridge, era no rio Cam. E quando voltou à grande mansão herdada, Newstead Abbey, que fora no tempo remoto um convento de agostinhos, usava o refeitório dos monges para galeria de tiro e mandara inundar na cave a casa mortuária para poder nadar.
Giulia levava os poemas para o jardim, na encosta sobre o mar da Ligúria, e lia deitada numa manta, à sombra de um pinheiro. Dentro de casa havia a religião da sesta, que cada um praticava segundo as suas idiossincrasias. Uns dormiam na cama, de pijama e rede no cabelo, outros reclinavam-se pelos canapés, sofás e cadeirões das salas. Um tio-avô gostava de dormir frente ao espelho, preso sabe-se lá de que medo ou fantasia. E era naquele remanso do roçagar dos pinheiros na brisa morna que Giulia via George Gordon sair do seu palazzo Mocenigo em Veneza, impecavelmente vestido e calçado, e atirar-se à água do Gran Canale sem sequer desfazer o nó do lenço de seda. Giulia ficava a ponto de se evaporar na tarde. Queria lançar-se ao mar e esperava impaciente o despertar da casa, o ritual da merenda e a sua libertação. Byron ia a nado jantar com amigos, namorar senhoras, seduzir rapazes e donzelas". (Afastar-se in Afastar-se e Outros Contos, D. Quixote, Maio, 2021) Podcast, entrevista com Susana Moreira Marques
https://www.youtube.com/watch?v=XDF9XwFq-FU |
CISMÁTICA
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Um dos fragmentos de Heraclito que mais me impressionou quando comecei a estudar Filosofia foi aquele que propõe uma analogia entre o “tempo eterno” e uma criança que brinca. Há quem interprete que brinca “inocentemente”, mas “inocentemente”, para além de redutor, não está no original. Heraclito escreveu à volta de 460 A.C. e nós continuamos às voltas a tentar traduzir a sua bela frase: “o tempo eterno é uma criança que, brincando como uma criança, mexe os peões num tabuleiro: império de uma criança”.
Este é um excerto do pequeno artigo que escrevi para a revista do Sindicato dos Professores, Escola Informação Digital.
A revista inteira pode ser lida em formato digital AQUI e o texto completo pode ser lido AQUI
dezembro '20
(...)Aquilo que procurei no texto foi a especificidade da escrita para teatro-de-ouvido, diferente da rádio-novela sentimental e do teatro radiofónico para palco. No entanto, a dinâmica do espectáculo segue a do teatro radiofónico ao vivo na tradição da comédia britânica a partir dos Goons, que influenciaram Spike Milligan, que levou aos Monty Pyhton e a toda a comédia contemporânea. Foi a esta tradição que recorri explicitamente, sem a desvairada e disparatada verve – quem me la dera! – dessa correria sem rei nem roque dos melhores programas dos Goons. Aqui há pelo menos três intrigas definidas e uma suspeita generalizada; algumas vozes pertencem reconhecivelmente a personagens, outras são as tais bocas que mandam bocas. Há enredos que aparecem e desaparecem, como o thriller que cria no início um certo ambiente de horror e é relembrado com apontamentos de vez em quando, há uma espécie de conversation piece sobre protocolos de hospitalidade e as idiossincrasias de uma tal Lady Bradbury ou Burberry. O mais carregado dos enredos é composto de fragmentos de um vaudeville passado num prédio de classe (que já foi) média. A intriga à volta da compra do elevador inteligente gostava de parodiar o pânico do desamparo e da indigência (a horda) e a ambição da mobilidade global ascendente. Neste fio de enredo, o condomínio, muito pressionado pelo representante claustrófobo de uma marca de elevadores, decidiu substituir os dois velhos por outros de última geração. Já se colocou o primeiro elevador novo, que tem problemas de afinação e encrava bastante. Mas o negócio está feito e é preciso honrá-lo. O condomínio está falido e todos os condóminos têm ou penhoras, ou processos de falência, ou salários congelados, ou estão desempregados, ou têm multas gigantescas para pagar. Ninguém quer e ninguém precisa de um elevador novo, ninguém o pode pagar. Mas quem não pode pagar é justamente quem é mais vulnerável a novas dívidas. Os condóminos pagam o que não têm para conseguirem o que não querem. Obrigados à sobrevivência e ao empreendedorismo sonham com a libertação da dívida e novas formas de vida sem penhoras. Desejam passeios de trotineta com os turistas que vieram por aí abaixo, para desenfastiar do pesadelo colectivo que é a horda dos refugiados que vem por aí acima. O meu mais honesto é que à sua estreia Airbnb&Nuvens se não tenha já volvido em peça de museu, falando de um tempo em que as galinhas tinham dentes, havia turistas e euros em barda, tempo para sempre desaparecido nas horrorosas brumas do tempo novo.
(Do Prefácio a Airbnb&Nuvens, Maio 2020) Para o livro siga o link |
Airbnb & Nuvens no Teatro Nacional de S. João
Voz: Foge-se daqui.
Foge-se daqui para ali.
Foge-se de perto para longe.
De longe para mais longe.
Para nunca mais ser visto.
Voz: Deixando um rasto de dívidas…
Voz: Foge-se ao fantasma da miséria.
Voz: E da periféria.
Voz: Que é aquilo à entrada? É para trazer para dentro?
Voz: É o fantasma dos dias que correm.
Voz: É um monte de esterco sem eira nem beira!
Voz: É a glória, à espéria.
Voz: Está toda descongloriada!
Voz: Está baça, tem de se lhe puxar o brilho!
Voz: Ainda não somos outra vez os primeiros,
Estamos cá por baixo, caídos da tripeça.
Vozes: À força de solarina!
À força de solarina!
Puxai o brilho à Glória!
Lady Bradbury: Glória, diz à Maria Augusta que diga à Claire que venha imediatamente preparar o sherry de Lord Burberry!
Voz: Sim, my Lady!
Em Airbnb & Nuvens: uma rádio novela, o encenador Manuel Tur expõe em palco a mecânica da comunicação radiofónica, os seus artifícios, recursos e métodos. Uma “rádio novela” sobre um país falido, alugado e com a mania das grandezas (sim, Portugal), escrita pela mão sarcástica de Luísa Costa Gomes.
26 e 27 de Novembro no Teatro Nacional de S. João.
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Foge-se daqui para ali.
Foge-se de perto para longe.
De longe para mais longe.
Para nunca mais ser visto.
Voz: Deixando um rasto de dívidas…
Voz: Foge-se ao fantasma da miséria.
Voz: E da periféria.
Voz: Que é aquilo à entrada? É para trazer para dentro?
Voz: É o fantasma dos dias que correm.
Voz: É um monte de esterco sem eira nem beira!
Voz: É a glória, à espéria.
Voz: Está toda descongloriada!
Voz: Está baça, tem de se lhe puxar o brilho!
Voz: Ainda não somos outra vez os primeiros,
Estamos cá por baixo, caídos da tripeça.
Vozes: À força de solarina!
À força de solarina!
Puxai o brilho à Glória!
Lady Bradbury: Glória, diz à Maria Augusta que diga à Claire que venha imediatamente preparar o sherry de Lord Burberry!
Voz: Sim, my Lady!
Em Airbnb & Nuvens: uma rádio novela, o encenador Manuel Tur expõe em palco a mecânica da comunicação radiofónica, os seus artifícios, recursos e métodos. Uma “rádio novela” sobre um país falido, alugado e com a mania das grandezas (sim, Portugal), escrita pela mão sarcástica de Luísa Costa Gomes.
26 e 27 de Novembro no Teatro Nacional de S. João.
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novembro '20
Vida e Morte do Rei João de William Shakespeare
REI JOÃO, de William Shakespeare, nunca foi, ao que se sabe, encenada em Portugal. Sendo uma peça histórica vagamente baseada em factos, trata do processo de legitimação de João Sem Terra, e propõe uma bela paródia dos corredores e bastidores do poder, regidos pelo único valor do Proveito Próprio. É a peça obscura: não-lida, não-representada, mal-amada de Shakespeare que ressoa agudamente no nosso tempo do marquetingue de influência, do marquetingue político, do marquetingue pessoal em que tudo é "Commodity" comodificação de tudo em "recurso" ou "produto" com valor de mercado. Tradução de Luísa Costa Gomes
o único e a sua propriedade edições/Teatro do Bairro para encomendar o livro siga o link
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Rei João no Museu Arqueológico do Carmo

Em cena de 29 de julho a 15 de agosto de 2020 a peça Rei João pelo Teatro do Bairro no Museu Arquelógico do Carmo.
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agosto '20
O Céu de Sacadura

O Céu de Sacadura foi uma encomenda da EXPO98 e estreou no Teatro Nacional D. Maria II, após múltiplas vicissitudes, a 27 de Março de 1998. Teve uma carreira curta e sem história e foi reencenado apenas uma vez, por Alexandre Sampaio de 23 a 25 de Maio de 2019 em Celorico da Beira. Escrevi-o a pensar no meu pai, que na guerra respondeu pelo nome de código de Pirata, e que guiava um carro sonhadoramente a fumar como quem guia um caça em velocidade de cruzeiro; a pensar no meu tio Gabriel Lobo Fialho, oficial de Marinha, e um dos melhores homens de bem que conheci na vida; a pensar no meu mais engraçado tio materno, Nuno Sanches da Gama, cujo sentido de humor e garbo admirei toda a minha infância e juventude. “Últimos dos moicanos”, foram essa geração de homens-militares inteligentes e íntegros, com aquele espírito de missão e visão patriótica que lhes estava na massa do sangue, e que hoje nos parece tão remota. E, em fundo, sempre, sempre, a figura do meu avô materno, na memória viva do que foi o privilégio de ter sido durante um tempo a sua neta favorita, antes de terem nascido os outros párias; que me faltou a partir dos dez anos e que hoje, aos sessenta e cinco, me faz falta ainda. E o meu avô paterno, oficial de Cavalaria, topógrafo, sensato, reservado e sensível, sempre por mim injustamente esquecido. Quis escrever num espírito anti-museológico e anti-monumental que são a hóstia das instituições administrativas. Quis escrever do ponto de vista de quem tem o impulso irresistível para a obra, de quem sente esse fardo lá dentro do ter-de-fazer, que outros servem para obstaculizar. Daí esta figura, vista pelos olhos de uma criança que espia e admira.
A Cotovia fez da peça uma primeira edição.
Esta edição é minha (#ounicoeasuapropriedadeedições) e dela se imprimiram dez exemplares, com sobrecapas pintadas a pastel de óleo.
Se quiserem ler, têm bom remédio, está em e-book e em print-on-demand na Amazon.
IR PARA O céu de Sacadura
A Cotovia fez da peça uma primeira edição.
Esta edição é minha (#ounicoeasuapropriedadeedições) e dela se imprimiram dez exemplares, com sobrecapas pintadas a pastel de óleo.
Se quiserem ler, têm bom remédio, está em e-book e em print-on-demand na Amazon.
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De Passagem

Se fosse um dia preciso salvar das águas apenas uma peça de todas as que escrevi, seria este De Passagem. Escrevi-a muito nova, aos trinta anos, quando me habituava mal à ideia de ter de escrever apenas em Português, e é nela que me revejo ainda. Assistir à encenação que o Jorge Pinto fez no maravilhoso Passeio das Virtudes do Jardim da Cooperativa Árvore no Porto foi uma das minhas experiências teatrais mais deliciosas. Fora da sala, ao ar livre, num espaço que mimava por contraste as serras e a selvajaria da Natureza, o espectáculo acabava ao pôr-do-sol. Era Verão, era Julho, no final chuviscou.
Esta nova edição de dez exemplares do De Passagem inclui dois erros que se topam à vista desarmada. O primeiro tem algumas consequências teóricas: na capa diz-se que é o segundo volume da colecção de teatro, no miolo afirma-se que é afinal o número 1. Ora, a edição de Dias a Fio reivindicava para si, embora fosse cronologicamente a primeira, o segundo lugar na colecção de teatro! Está lá, na capa, teatro2. E isto é reafirmado no miolo: teatro2! Portanto, Dias a Fio é teatro 2, embora tenha vindo ao mundo antes do teatro 1? Pode dizer-se que o primogénito é mais novo que o secundogénito? Como resolver tal imbróglio? O segundo erro coloca esta edição única de De Passagem numa classe própria. É talvez o único livro, atrevo-me a dizê-lo, desde a invenção de Gutenberg da Mogúncia, a começar em página par. Nome do autor, título, etc. em página à esquerda, começos das cenas, à esquerda. Para a leitura, um desafio. Para a edição, uma novidade.
Esta nova edição de dez exemplares do De Passagem inclui dois erros que se topam à vista desarmada. O primeiro tem algumas consequências teóricas: na capa diz-se que é o segundo volume da colecção de teatro, no miolo afirma-se que é afinal o número 1. Ora, a edição de Dias a Fio reivindicava para si, embora fosse cronologicamente a primeira, o segundo lugar na colecção de teatro! Está lá, na capa, teatro2. E isto é reafirmado no miolo: teatro2! Portanto, Dias a Fio é teatro 2, embora tenha vindo ao mundo antes do teatro 1? Pode dizer-se que o primogénito é mais novo que o secundogénito? Como resolver tal imbróglio? O segundo erro coloca esta edição única de De Passagem numa classe própria. É talvez o único livro, atrevo-me a dizê-lo, desde a invenção de Gutenberg da Mogúncia, a começar em página par. Nome do autor, título, etc. em página à esquerda, começos das cenas, à esquerda. Para a leitura, um desafio. Para a edição, uma novidade.
junho '20
O ÚNICO E A SUA PROPRIEDADE, anti-editora
março '20

Lancei em Julho de 2019 a minha editora a que chamei O Único e a Sua Propriedade em referência quase humorística ao livro de Max Stirner, o hegeliano de esquerda que foi influência maior no movimento anarquista e no existencialismo do século XX. Editar os meus próprios livros é um projecto tão antigo que se perde na noite da primeira juventude. Aí, já tinha tido a veleidade de estacionar uma tipografia no jardim para fazer, à maneira da Virginia Woolf, edições em casa. Foi mesmo no princípio dos anos oitenta, no dealbar deste novo paradigma da industrialização das empresas culturais em Portugal. Produzir o livro do princípio ao fim não era só uma forma de configurar um objecto singular, era fazer com que o livro se mantivesse próximo, da escrita à distribuição; o meu primeiro livro de poemas, numa edição de 100 exemplares, então como hoje justificadamente esquecido, foi policopiado à mão e cosido à mão e depois vendido e dado à mão na Feira do Livro em Lisboa. Eram os tempos. Ainda bem que não comprei nenhuma tipografia, ainda bem que me dediquei a editoras convencionais que me distribuíram os livros na medida dos seus interesses e necessidades. Isso permitiu-me continuar a escrever e não andar perdida em tarefas desgastantes e frustrantes como a distribuição ou as vendas.
O ÚNICO E A SUA PROPRIEDADE, CONHEÇA O CATÁLOGO
instagram @luisasanchesdagama
facebook.com/luisacostagomes
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dezembro '19
Paradoxos da Democracia
"- Não te queres calçar? Para o críquete, convém.
- Eu não quero jogar críquete.
Percorreu o grupo um arrepio de surpresa. Não queria jogar críquete? Como assim? Então isso podia fazer-se? Todos tinham decidido que todos iriam! E todos fazem o que todos querem, nenhum faz o que cada um quer! Era o que faltava!Isso implicaria uma mudança de planos, teria novamente de se atravessar o processo de debate&negociação&deliberação&compromissos! Para chegar ao consenso, seria coisa para desperdiçar uma manhã inteira!"
in Cláudio e Constantino
ler o excerto
novembro '19
Luísa Costa Gomes ganha Prémio Literário Urbano Tavares Rodrigues
Júri decidiu por unanimidade distinguir o romance Florinhas de Soror Nada.
Em comunicado, a Fenprof “assinala com satisfação” que Luísa Costa Gomes se venha juntar a “nomes cimeiros” da literatura portuguesa contemporânea na área da ficção com o seu “belíssimo romance”, publicado pela D. Quixote em 2018.
O júri, constituído por Paulo Sucena (Fenprof), José Manuel Mendes e Paula Mendes Coelho, decidiu por unanimidade distinguir Florinhas de Soror Nada, destacando o “extremo rigor da sua construção e da linguagem, cujo poder de inventiva e contágio, a par de personagens intensas e do entrecho, desmontam os lugares comuns concernentes às relações entre a fé e o conhecimento, ao feminismo estereotipado e à vacuidade manipuladora do chamado politicamente correcto”.
ler o artigo completo no Público
O júri, constituído por Paulo Sucena (Fenprof), José Manuel Mendes e Paula Mendes Coelho, decidiu por unanimidade distinguir Florinhas de Soror Nada, destacando o “extremo rigor da sua construção e da linguagem, cujo poder de inventiva e contágio, a par de personagens intensas e do entrecho, desmontam os lugares comuns concernentes às relações entre a fé e o conhecimento, ao feminismo estereotipado e à vacuidade manipuladora do chamado politicamente correcto”.
ler o artigo completo no Público
outubro '19
O Plasticum
Olhe, desculpe, faz favor, olhe, deixou cair o papel do gelado. Aquele ali. Não é seu? Como é que sabe que não é seu, está assinado? Bordou-lhe o monograma? É seu, sim, que eu bem o vi atirar o papel do gelado para o chão. continuar a ler
setembro '19
Troianas nas Ruínas do Carmo
Troianas de Eurípedes é hoje, como no século V A.C. quando foi escrita e representada, o grande lamento sobre a tragédia da Guerra e das suas consequências eternas: a destruição, a morte, a perda, a servidão, o exílio, a errância. Tróia foi invadida pelos exércitos gregos, conquistada, incendiada. Diante das suas muralhas em chamas, as troianas escravizadas e Hécuba, a sua Rainha, esperam ser levadas pelos seus novos senhores para a Grécia. Choram os seus mortos e o seu destino injusto. Helena, também cativa, será levada de novo a Esparta e continuará a reinar. Hécuba perdeu tudo: os filhos, o marido, o seu país. E é sobre a fundamental injustiça da guerra que os humanos cometem por motivos triviais que Eurípedes constrói a sua tragédia. continuar a ler
agosto '19
TROIANAS, Ensaio de Leitura, Teatro do Bairro
Esta tradução procura estar perto da letra (por vezes, admito, excessivamente perto) do texto de Eurípides, que é, valha-nos Deus, um autor muito pouco dado aos enfeites. A frase é clara e escorreita e diz o que é preciso. Nem se pediam enfeites em temas tão dolorosos. Valem as ideias e o que elas fazem. Comecei por traduzir do inglês a tradução/dramaturgia de George Theodoridis, depois com Tim Eckart fiz a revisão a partir da edição Kovacs do texto grego, o que alterou substancialmente o tom e a atmosfera da tradução portuguesa”. (Luísa Costa Gomes, do programa de sala do espectáculo).
Da esquerda para a direita, ao fundo:
Tim Eckart, Luísa Costa Gomes, António Pires, Maria Rueff, Luís Bragança Gil
À direita: Hugo Mestre Amaro, Alexandra Sargento, João Barbosa, Francisco Vistas
À esquerda: Luís Mesquita
Alunos Finalistas da ACT, Escola de Actores
legendagem: Luísa Costa Gomes
balonagem: Carlos Alberto Augusto / Joana Ramalho
Tim Eckart, Luísa Costa Gomes, António Pires, Maria Rueff, Luís Bragança Gil
À direita: Hugo Mestre Amaro, Alexandra Sargento, João Barbosa, Francisco Vistas
À esquerda: Luís Mesquita
Alunos Finalistas da ACT, Escola de Actores
legendagem: Luísa Costa Gomes
balonagem: Carlos Alberto Augusto / Joana Ramalho
julho '19
Da escada

Da Escada faz parte da antologia de contos Império do Amor, que publiquei em 2001 na editora Tinta Permanente (não confundir com Tinta da China), então sediada em Ponta Delgada nos Açores. O livro faz parte da minha aventura na Tinta Permanente de Eduardo Brum, que também deu ao mundo, entre outros, o primeiro livro de contos de Cláudia Clemente, uma tradução de Pedro Tamen de Jacques, o Fatalista e a parte importante da Revista Ficções.
O Mário Botequilha adaptou livremente o conto a guião para uma série da RTP, Amores e Desamores, realizado por Jorge Paixão da Costa e Mário Barroso.
O Mário ou alguém por ele alterou o nome da médica para Isabel, mudança que adoptei agora na rescrita. A personagem é uma Isabel, na pior das hipóteses uma Isabel Adelaide. Os temas são os que me interessam desde sempre, o poder fundador do diálogo, a eficácia transformadora da conversação, as agonias filosófico-domésticas da adolescência e o que elas provocam nos adultos que lhes sobreviveram.
"Chega a casa bastante tarde, pela uma e meia da manhã, e chama o elevador, que não funciona. Carrega de novo no botão, o prédio mantém o silêncio, ela decide subir os cinco andares a pé. Sente-se pesada, bebeu demais, avança no patamar e olha para cima, a espiral fria do corrimão que ampara os degraus até à clarabóia. Suspira e avança, acelerando sem se aperceber disso, a partir do segundo andar." continuar a ler
O Mário Botequilha adaptou livremente o conto a guião para uma série da RTP, Amores e Desamores, realizado por Jorge Paixão da Costa e Mário Barroso.
O Mário ou alguém por ele alterou o nome da médica para Isabel, mudança que adoptei agora na rescrita. A personagem é uma Isabel, na pior das hipóteses uma Isabel Adelaide. Os temas são os que me interessam desde sempre, o poder fundador do diálogo, a eficácia transformadora da conversação, as agonias filosófico-domésticas da adolescência e o que elas provocam nos adultos que lhes sobreviveram.
"Chega a casa bastante tarde, pela uma e meia da manhã, e chama o elevador, que não funciona. Carrega de novo no botão, o prédio mantém o silêncio, ela decide subir os cinco andares a pé. Sente-se pesada, bebeu demais, avança no patamar e olha para cima, a espiral fria do corrimão que ampara os degraus até à clarabóia. Suspira e avança, acelerando sem se aperceber disso, a partir do segundo andar." continuar a ler
junho '19
Local, Global
"Estava a fazer na minha sala uma aula de Pilates dirigida por uma senhora inglesa que me dava ordens pelo computador, desde um jardim sito algures nos arredores do Funchal. Era um jardim singularmente bem arranjado e ela calma e mandando sem alarido. Estas aulas de Pilates que se apanham no You Tube são à vontade do freguês, umas mais puxadas e outras à medida da pessoa que não quer exercitar-se excessivamente sob pena de arruinar algum órgão vital." leia a crónica Local, Global
maio '19
Mães que Tudo
![]() Sai este mês a antologia de contos MÃES QUE TUDO em que colaboro com um conto.
Desertos, Enseadas, Covas Abertas é a exploração alquímica de uma difícil extracção. continuar a ler |
abril 2019
To Do, A Book of Alphabets and Birthdays
Traduzo para a Ponto de Fuga um delicioso livro infantil de Gertrude Stein, To Do, A Book of Alphabets and Birthdays. Estão aí uns bocadinhos.
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UBUS
![]() Saiu uma nova edição da minha tradução da gesta completa de Ubu, de Alfred Jarry, o inventor da Patafísica, a ciência utilíssima das “soluções imaginárias”. A edição é da Húmus/TNSJ e celebra os catorze anos da encenação icónica de Ricardo Pais no TeCa em 2005, de que existe gravação em DVD.
leia mais sobre UBUS |
O Mundo é Redondo
A minha tradução de O MUNDO É REDONDO, texto que Gertrude Stein escreveu em 1939 foi encenado por António Pires no Teatro do Bairro e considerado o Melhor Espectáculo de 2018 pelo júri da Sociedade Portuguesa de Autores. Aqui está o António Pires a receber o prémio e a fazer o seu discurso.
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março '19
Não Sou Nada
Avança para produção o meu guião NÃO SOU NADA/THE NOTHINGNESS CLUB, em colaboração com o realizador Edgar Pêra (edgarpera.org). O filme, de acordo com a pirotécnica imaginação de Pêra, passar-se-á dentro da cabeça labiríntica de Pessoa, onde Álvaro de Campos, o seu heterónimo mais heterónimo, se entretém a assassinar todos os outros, para poder ser ele a assinar tudo o que sai da mão do Poeta. leia mais
José Matias
![]() Estreou no dia 11 de Janeiro de 2019, pela ArteViva - Companhia de Teatro do Barreiro, encenada por Rui Quintas, a minha peça JOSÉ MATIAS, entretém para quatro mulheres. leia mais |
A Grande Vaga de Frio
Um Mundo de Estalajadeiros
A última crónica publicada no Notícias d´A Gandaia trata do maravilhoso mundo do Airbnb.
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fevereiro '19
Florinhas de Soror Nada
"A perda da fé é sempre vista como uma perda e eu vejo-a como um princípio positivo. Tudo o que seja destruir ilusões destrutivas parece-me um bom princípio."
Leia a entrevista completa ao Jornal Público AQUI
"Teresa é uma sobrevivente. Correu-lhe tudo mal e, no entanto, conseguiu fazer de si própria e da sua vida não um elogio do sofrimento e do sacrifício, mas uma permanente luta pelo prazer e pela autonomia. O que lhe aconteceu não é uma perda, é um ganho."
Leia a entrevista completa ao Jornal Sol AQUI
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Da Costa
"Olhando a imensidão do areal da Costa na maré-baixa, temos dificuldade em imaginar que não tivesse sido sempre uma praia. Mas, na verdade, o troço de mar da Trafaria à Fonte da Telha só ganhou foros de praia recentemente, desde os anos trinta do século XX."
Leia o artigo completo do Observador AQUI
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janeiro '19