DEPOIS DA REVOLUÇÃO, teatro musical, dramaturgia de Luísa Costa Gomes,
direcção musical de Luís Bragança Gil,
encenação de António Pires,
Teatro do Bairro, 18 de Abril de 2014
DEPOIS DA REVOLUÇÃO é um espectáculo de teatro musical que deseja celebrar, através da memória do 25 de Abril de 1974, o impulso revolucionário, festivo, jubiloso e libertador. Os primeiros textos e as primeiras canções evocam, por isso, a instigação à luta contra a exploração, desde os primeiros românticos como Shelley a “guerrilheiros” como José Afonso e José Mário Branco, entre muitos outros. No átrio do teatro ficou o jogo entre The Revolution will not be televised/ The Revolution will be televised, referindo a situação contemporânea do nosso existir-para-a-imagem, a plena apropriação mediática de todo o vivido nos moldes do reality show. Contemporânea, eterna é a escravatura: Hammond, um senador da Geórgia, chamava-lhe “lei da Natureza”, em 1851. Quem hoje pode dizer que o desvalor do trabalho não se encaminha rapidamente para uma forma ínvia de escravatura? Antes a revolta popular, a revolução à francesa. Allons enfants de la patrie...Onde levará ela? Não paira ainda hoje sobre o movimento revolucionário a sombra da guilhotina, que o povo republicano conhecia como “a navalha do Carlitos/ o facalhão do Sansão”? Perante o espectro da guilhotina, que sobe e desce, o que temos nós de algum valor? O sol. É o ouro dos pobres. Pobres, endividados, desvalidos...O medo, escreveu Alexandre O ́Neill em 1951, o medo vai ter tudo/ Pernas/Ambulâncias/ E o luxo blindado/ De alguns automóveis/ Vai ter olhos onde ninguém os veja/ Mãozinhas cautelosas/ Enredos quase inocentes/ Ouvidos não só nas paredes/ Mas também no chão/ No tecto/ No murmúrio dos esgotos/ E talvez até (cautela!)/ Ouvidos nos teus ouvidos/ O medo vai ter tudo(...)”. Nem sempre foi assim. Houve um momento da nossa História, um breve momento, em que aquilo que hoje sentimos como fechamento, silenciamento, inevitabilidade, a apagada e vil tristeza (mansa) – um tempo contrário e vivo em que houve abertura, explosão da linguagem e das linguagens, vivência de possibilidades. E assim nos encaminhamos, no espectáculo, para o 25 de Abril de 1974. Vamos às arrecuas, parece que hoje tudo anda para trás...Ouvimos Pinheiro de Azevedo, pouco antes do 25 de Novembro, e o seu hoje clássico É só fumaça!; ouvimos as linguagens do PREC, o colorido verbal do MRPP, o sistema do PC...e são ecos, coisas de outros tempos, que ficam a ser sussurradas por um solitário actor...Outros momentos são evocados: a nacionalização da Banca, a famosa manifestação dos operários da Lisnave em Setembro de 1974, de fato-macaco e capacete, qual exército operário...Tomarão o poder? Mas eis que, ao entrarem na fábrica, se entra também num quadro de ópera chinesa. É a Lição do Menino Chinês, o desgraçado que, atado ao pé da mesa, fabrica todos os nossos bens de consumo. “Serve o estado proletário, não pesa no erário, excede o horário”. Pois, que remédio! É um herói , o menino chinês.
Esta reviravolta absurda (como outras no espectáculo) pede que a música tenha um carácter que potencie os aspectos irónicos, cómicos e mesmo grotescos. Daí que, numa mesma canção, se evoquem linguagens musicais tão diferentes como a música clássica chinesa, a música de desenhos animados (citando o famoso Dartacão e o jingle dos Looney Toons) acabando numa evocação dos hinos comunistas (mais russos que chineses).
Todo o espectáculo, do ponto de vista musical, é atravessado por esta mesma ideia. A diversidade de registos, muitas vezes irónicos e paródicos, poderá parecer à primeira vista uma “salada musical”, mas quer afinal mostrar que não há hierarquias definitivas em música e sim muitas possibilidades de expressão dessa energia que se manifesta no canto, na dança, na harmonia coral. Depois da Revolução é uma celebração da energia do trabalho, da força, do peso, da dificuldade, da persistência dos gestos repetidos. É evidente, nas coreografias, a referência a Pina Bausch e ao seu tratamento do movimento e da atitude dos corpos, estes agora ligados à sua Terra e à sua História. Por isso também o espectáculo busca em muitos momentos a música tradicional, sem quaisquer novas “roupagens”, como em Viva o Nosso Patrão d ́Hoje, da Beira Baixa, ou Cantiga sem Maneiras, a que se acrescenta uma segunda voz, que ampara e abraça a original, sem lhe fazer sombra.
Todo o espectáculo, do ponto de vista musical, é atravessado por esta mesma ideia. A diversidade de registos, muitas vezes irónicos e paródicos, poderá parecer à primeira vista uma “salada musical”, mas quer afinal mostrar que não há hierarquias definitivas em música e sim muitas possibilidades de expressão dessa energia que se manifesta no canto, na dança, na harmonia coral. Depois da Revolução é uma celebração da energia do trabalho, da força, do peso, da dificuldade, da persistência dos gestos repetidos. É evidente, nas coreografias, a referência a Pina Bausch e ao seu tratamento do movimento e da atitude dos corpos, estes agora ligados à sua Terra e à sua História. Por isso também o espectáculo busca em muitos momentos a música tradicional, sem quaisquer novas “roupagens”, como em Viva o Nosso Patrão d ́Hoje, da Beira Baixa, ou Cantiga sem Maneiras, a que se acrescenta uma segunda voz, que ampara e abraça a original, sem lhe fazer sombra.
Assim, as canções da nossa memória são refeitas, seja com um novo carácter musical ou uma nova intenção. O nosso tempo precisa de expressar-se de viva voz, de forma pessoal, mesmo que seja a expressão da intemporalidade dos nossos desejos e dos nossos sonhos. Este é um espectáculo em que a música funciona como memória e como inspiração. A música dá-nos força. E enquanto há força, como disse José Afonso numa das suas canções, seremos muitos, seremos alguém. Porque para enfrentar os novos vampiros, o que é preciso é gente, gente com dente, gente que enterre o dente, que fira de unha e dente e mostre o dente potente, ao prepotente.
Luísa Costa Gomes/Luís Bragança Gil
Luísa Costa Gomes/Luís Bragança Gil
ensaios para a peça com o encenador António Pires