ESTAMOS TODOS?, texto de Luísa Costa Gomes,
encenação de Adriano Luz, Auditório dos Oceanos, 22 de Outubro de 2014
encenação de Adriano Luz, Auditório dos Oceanos, 22 de Outubro de 2014
leia um excerto
Teodoro está absolutamente pronto para sair: é o dia do seu segundo casamento. Recebe uma chamada de Lenita, a primeira mulher, com quem não fala desde o dia, há nove anos, em que ela desapareceu com o motorista da limosina. Agora telefona, desesperada, diz ela, escondida algures na Serra de Montejunto, ameaçada de morte pelo homem com quem vive, Felizardo Bembo. Teodoro, que deve estar dentro de uma hora e meia na sua segunda boda – vai casar com Eliane, uma deliciosa rapariga brasileira - é intimado a salvar Lenita. Sempre resmungando, e dizendo que não vai, vai procurá-la à serra e encontra-a. Entretanto, na polícia, no monólogo do inspector percebe-se que ele prendeu Felizardo por tráfico de droga, mas o homem confessou homicídios, tráfico de órgãos, tráfico de armas, tráfico de influências e amizades com ministros, colocando a polícia num dilema: embora tendo confessado, o homem confessou demais... Quando chega à cabana na mata onde Lenita se esconde, Teodoro percebe que o que ela quer não é ser salva, mas é que ele a ajude a libertar o amante que foi preso. A boda propriamente dita é “gerida” pela empresa LOVE DREAM KISS MARRIAGE, cujo gestor comercial e director financeiro é o Sr. José Litto; foi comercial de calçado e não está ainda muito à vontade nesta nova indústria dos casamentos. Tem muitas dúvidas sobre pormenores, sendo guiado pela mulher que procura na internet as respostas às questões dele, obtendo sempre uma miríade de alternativas que mutuamente se excluem. O PADRE já se rendeu à evidência: entra completamente bêbedo, propondo versões livres de textos bíblicos, sobretudo dos específicos da liturgia do casamento: as bodas de Caná. Terá sido por acaso que Jesus transformou a água em vinho? Podia tê-la transformado em Compal de pêssego! Mas não! Foi em vinho e do bom! Ora isto é uma indicação divina importante…
José Pedro Gomes é o Padre Zé
(O Padre Zé entra da esquerda, descomposto, acabando de se paramentar, e lutando com a estola. Vem visivelmente embriagado, com um copo descomunal na mão, resmungando baixo. Vai direito à mesinha de apoio, a um canto, junto ao altar, onde se alinham garrafas de bebidas alcoólicas e alguns petiscos-de-mão. Ao lado do altar, uma cadeira. Encostada à cadeira, uma guitarra).
(Vem a resmungar ainda em off) Quero lá saber. Casem, não casem. Casem uma vez, casem duas vezes. Baptizem, não baptizem. Confessem, não confessem. Arrependam-se…Mintam, digam a verdade, a ver se eu me ralo. (Entra.) Eu até já caso divorciados… Abençoo uniões…bígamos, polígamos…Faço casamentos colectivos, casamentos em sequência, sete noivas para sete irmãos, sete irmãos para três cunhadas, doze noivas já casadas e com barba…À dúzia. E eu ralado … (Emborca metade do copo. O vinho não é grande coisa) Não é grande coisa. Mas é de graça. Dantes, sim, sofria. Torturava-me. Agora? Nada. Depois o Bispo manda uma repreensão e eu mando-lhe uma caixa de espumante e um bilhetinho e ele convoca-me para uma reunião e eu mando-lhe outra caixa de espumante e outro bilhetinho. E ele desiste. A Igreja tem de se modernizar. As pessoas não vão deixar de pecar, pois não? Se não deixaram de pecar até aqui, não é agora que vão parar. Eu pelo menos não deixei. Pelo contrário, peco como um condenado, cada vez mais, cada vez pior. E sabem que mais? Gosto. Gosto muito. Sabe muito bem. É para isso mesmo que serve a confissão e a absolvição. Pecamos até rebentar e depois batemos com a mão no peito. Oh, desculpe qualquer coisinha, sim? Mea culpa, etc. e volta ao mesmo. Nosso Senhor morreu pelos nossos pecados. Nós não nos lembramos disto. Mas é verdade. Morreu para nos salvar. Ficámos salvos para sempre. Até é falta de educação não aproveitar. É como um cruzeiro com tudo pago. Come-se sempre demais. É uma viagem com seguro contra todos os riscos. Podemos fazer tudo, estamos salvos à partida! Claro que não devemos pecar, e blábláblá, porque é chato e não se deve fazer porque é chato para Nosso Senhor, e ele fica triste… Mas isto afinal não tem mal nenhum…que mal é que tem? (Vai o resto do copo, o vinho afinal não é assim tão mau) Olha, afinal, não é assim tão mau. Ou sou eu que estou menos exigente, ou é o vinho que amadureceu no copo. Abençoo, pois abençoo, e que sejam muito felizes…Cheguem-se cá que eu abençoo tudo! Houve tempo…houve tempo em que me preocupava muito, muito…onde é que está o raio da estola? Ah, metade está aqui, mas isto há-de ter outra metade… (Serve-se de mais um grande copo de vinho) Espera, tenho de comer qualquer coisa, estou em jejum, em jejum isto trepa cá duma maneira…Vai uma empadinha…Para forrar o estômago.
( Pega na empada, pousa a empada, esquece-se da empada e emborca metade do copo de vinho) Mas que horas são, ao certo?
(Não consegue ver as horas no relógio. Vira-se e encara os convidados que já esperam na Capela. Esconde rapidamente o copo atrás das costas).
Eh, tanta gente numa capela tão pequenina…! Vocês não estão muito chegados à frente, filhos? Os noivos depois precisam de espaço para respirar… Cheguem atrás… Mais um bocadinho. Obrigado. (Pousa o copo na mesinha de apoio e vem para a frente).
Estamos todos? É à uma? É uma e meia já? Chii…Então eu vou ali e já venho, que a próstata não perdoa. (Sai quase a correr. Pausa.)
(Em off) A chatice que isto dá, estes saiotes todos, primeiro que encontre o que é preciso. Ah, cá está. Então, sais ou não sais? Anda, vá lá…(Faz chichi) O que vale é que é rápido, são três pinguinhas e está feito. Um, dois, três, pronto. (Entra) Para uma pessoa que faz tantas vezes chichi até faço muito pouco chichi. (Ri-se, percebe que está em público) A Igreja tem de se modernizar, porque não havemos de falar de chichi? Não olhem para mim como se não fizessem chichi. Como se não tivessem próstata! Hoje não é bem uma missa, porque não é bem um casamento, portanto fazemos uma coisa moderna. Falamos de tudo, está bem? Não é só de…
(Vai à mesa e serve-se de uma boa medida de uísque. Leva a empada à boca, mas esquece-se a meio e pousa-a outra vez. Desce um pouco, abstraído.)
Hoje vou falar das Bodas de Caná. É uma história muito bonita, embora eu nunca tenha percebido o que está a fazer no Evangelho de João, que é o mais intelectual, mas se calhar o João dava-lhe no tinto… (Vai a passar e deixa-se cair na cadeira. Olha para o lado e descobre a guitarra).
(Pega na guitarra) Para começar, vou cantar uma composição minha, escrita aquando da minha reconversão. Chama-se As Bodas de Caná e é assim.
(Canta uma canção típica das novas missas, com dois acordes de guitarra e um ar profundamente melancólico)
Vinho é coisa santa, santa, santa
Que nos faz bem à garganta
Como diz Nosso Senhor
Porque quando bebes vinho
Já não te sentes sozinho
Sentes muito mais Amor!
Vinho é coisa santa, santa, santa
E o ânimo te alevanta!
Muito obrigado. E é esse exactamente o tema da nossa homilia: vinho é coisa santa e santifica! Por isso é que a gente se sente bem quando bebe! Ficamos logo melhores. E isso é bom para nós e para todos. Melhores por dentro e por fora. A realidade do lado de fora também parece mais suportável…Já que não se consegue mudar nada nada nada e o Mal continua a reinar incontestado…Incontestado! E Ele deixa…Ele pactua… (Olha para cima) Sim, sim, não Te faças de sonso! Não ajudas nada! E isto está tudo cada vez pior. Bem, conversa acabada. Nem vale a pena argumentar Contigo.
(Ignora o De Cima, levanta-se de repente, vem para a frente, começa a homilia)
São inúmeras, incontáveis, as referências bíblicas aos benefícios do vinho. O vinho é um símbolo. Quando é bom! Quando não é bom, não é símbolo, não é nada! Depois, claro, há uns estudiosos muito distintos que discutem se há um vinho bom e um vinho mau e dizem que desse é que não se deve abusar, pois, é cá preciso estudiosos da Bíblia para nos dizerem que não se deve abusar do vinho mau, porque nós não sabíamos isso, somos mesmo estúpidos. Ora, poça prós estudiosos! Bem, então, as Bodas de Caná. Não, primeiro, a Última Ceia. Ora bem. Começo com uma pergunta. Nosso Senhor na última ceia, quando o empregado veio perguntar “então e para beber, o que é que vai ser?” disse, por acaso : “É sumol de laranja pra todos!”? Não disse! Claro, que havia sempre de haver um apóstolo a pedir: para mim é de ananás, sim? Há sempre um sacana que quer de ananás, não sei como é que se pode beber tal zurrapa, mas enfim! Mas Jesus não. Não. Não disse. Pediu vinho do bom, que era festa. A última festa. Doze gajos a jantar na taberna e bebiam compal de uva, se calhar? Ora francamente, é mesmo não querer ver as coisas como elas são. Beberam vinho. Não foi água…Só de pensar nisso… (Sai depressa. Pausa. Volta a entrar)
Estamos todos? Então vamos lá. Onde é que estão os noivos? Eu sei que é uma cerimónia moderna, mas em princípio tem de haver noivos. De qualquer sexo. Não faço questão. Ora então, as Bodas de Caná. A mãe de Jesus estava presente. E quando percebeu que tinha acabado o vinho da boda, veio dizer a Jesus: “Olha que se lhes acabou o vinho e agora o fornecedor só volta na próxima quinta feira!”. E Jesus, que estava sossegado, disse: “Que é que eu tenho a ver com isso, ó Mãe? A minha hora ainda não chegou!” Mas a mãe insistiu e Jesus fez o seu primeiro milagre. Pronto. Mas a parte que hoje nos interessa não é esta. Quando provou o vinho do milagre, o Mestre-sala, que era uma espécie de mestre de cerimónias daquele tempo, chamou o noivo e disse: “Todos servem primeiro o vinho bom e quando os convidados já estão embriagados então vem o vinho mau”, o que faz sentido, acrescento eu, porque já estão todos mais para lá do que para cá e tanto lhes faz água pé ou jeropiga, que é tudo para vomitar, mula velha, cabeça de burro, coices do asno, pode ser pasmados ou palermas, tanto faz. Ora, nas Bodas de Caná, aconteceu pela primeira vez o contrário: o melhor vinho ficou para o fim. A mensagem bíblica é clara: o melhor vinho deve ser servido no fim da festa. E esta é uma mensagem de esperança para todos. As pessoas devem apanhar grandes narsas nas festas porque em princípio o vinho vai sempre melhorar e o fundamental é saber aguentar até lá, porque o primeiro vinho é para os pardais, mas tem de se ir bebendo na mesma, e ir aguentando, até chegar o bolo da noiva e essas tretas e o vinho sempre a subir, a subir… (Sai, depressa) É só um instantinho, não aguento mais.
José Pedro Gomes é Felizardo Bembo
José Pedro Gomes é o Padre Zé
(O Padre Zé entra da esquerda, descomposto, acabando de se paramentar, e lutando com a estola. Vem visivelmente embriagado, com um copo descomunal na mão, resmungando baixo. Vai direito à mesinha de apoio, a um canto, junto ao altar, onde se alinham garrafas de bebidas alcoólicas e alguns petiscos-de-mão. Ao lado do altar, uma cadeira. Encostada à cadeira, uma guitarra).
(Vem a resmungar ainda em off) Quero lá saber. Casem, não casem. Casem uma vez, casem duas vezes. Baptizem, não baptizem. Confessem, não confessem. Arrependam-se…Mintam, digam a verdade, a ver se eu me ralo. (Entra.) Eu até já caso divorciados… Abençoo uniões…bígamos, polígamos…Faço casamentos colectivos, casamentos em sequência, sete noivas para sete irmãos, sete irmãos para três cunhadas, doze noivas já casadas e com barba…À dúzia. E eu ralado … (Emborca metade do copo. O vinho não é grande coisa) Não é grande coisa. Mas é de graça. Dantes, sim, sofria. Torturava-me. Agora? Nada. Depois o Bispo manda uma repreensão e eu mando-lhe uma caixa de espumante e um bilhetinho e ele convoca-me para uma reunião e eu mando-lhe outra caixa de espumante e outro bilhetinho. E ele desiste. A Igreja tem de se modernizar. As pessoas não vão deixar de pecar, pois não? Se não deixaram de pecar até aqui, não é agora que vão parar. Eu pelo menos não deixei. Pelo contrário, peco como um condenado, cada vez mais, cada vez pior. E sabem que mais? Gosto. Gosto muito. Sabe muito bem. É para isso mesmo que serve a confissão e a absolvição. Pecamos até rebentar e depois batemos com a mão no peito. Oh, desculpe qualquer coisinha, sim? Mea culpa, etc. e volta ao mesmo. Nosso Senhor morreu pelos nossos pecados. Nós não nos lembramos disto. Mas é verdade. Morreu para nos salvar. Ficámos salvos para sempre. Até é falta de educação não aproveitar. É como um cruzeiro com tudo pago. Come-se sempre demais. É uma viagem com seguro contra todos os riscos. Podemos fazer tudo, estamos salvos à partida! Claro que não devemos pecar, e blábláblá, porque é chato e não se deve fazer porque é chato para Nosso Senhor, e ele fica triste… Mas isto afinal não tem mal nenhum…que mal é que tem? (Vai o resto do copo, o vinho afinal não é assim tão mau) Olha, afinal, não é assim tão mau. Ou sou eu que estou menos exigente, ou é o vinho que amadureceu no copo. Abençoo, pois abençoo, e que sejam muito felizes…Cheguem-se cá que eu abençoo tudo! Houve tempo…houve tempo em que me preocupava muito, muito…onde é que está o raio da estola? Ah, metade está aqui, mas isto há-de ter outra metade… (Serve-se de mais um grande copo de vinho) Espera, tenho de comer qualquer coisa, estou em jejum, em jejum isto trepa cá duma maneira…Vai uma empadinha…Para forrar o estômago.
( Pega na empada, pousa a empada, esquece-se da empada e emborca metade do copo de vinho) Mas que horas são, ao certo?
(Não consegue ver as horas no relógio. Vira-se e encara os convidados que já esperam na Capela. Esconde rapidamente o copo atrás das costas).
Eh, tanta gente numa capela tão pequenina…! Vocês não estão muito chegados à frente, filhos? Os noivos depois precisam de espaço para respirar… Cheguem atrás… Mais um bocadinho. Obrigado. (Pousa o copo na mesinha de apoio e vem para a frente).
Estamos todos? É à uma? É uma e meia já? Chii…Então eu vou ali e já venho, que a próstata não perdoa. (Sai quase a correr. Pausa.)
(Em off) A chatice que isto dá, estes saiotes todos, primeiro que encontre o que é preciso. Ah, cá está. Então, sais ou não sais? Anda, vá lá…(Faz chichi) O que vale é que é rápido, são três pinguinhas e está feito. Um, dois, três, pronto. (Entra) Para uma pessoa que faz tantas vezes chichi até faço muito pouco chichi. (Ri-se, percebe que está em público) A Igreja tem de se modernizar, porque não havemos de falar de chichi? Não olhem para mim como se não fizessem chichi. Como se não tivessem próstata! Hoje não é bem uma missa, porque não é bem um casamento, portanto fazemos uma coisa moderna. Falamos de tudo, está bem? Não é só de…
(Vai à mesa e serve-se de uma boa medida de uísque. Leva a empada à boca, mas esquece-se a meio e pousa-a outra vez. Desce um pouco, abstraído.)
Hoje vou falar das Bodas de Caná. É uma história muito bonita, embora eu nunca tenha percebido o que está a fazer no Evangelho de João, que é o mais intelectual, mas se calhar o João dava-lhe no tinto… (Vai a passar e deixa-se cair na cadeira. Olha para o lado e descobre a guitarra).
(Pega na guitarra) Para começar, vou cantar uma composição minha, escrita aquando da minha reconversão. Chama-se As Bodas de Caná e é assim.
(Canta uma canção típica das novas missas, com dois acordes de guitarra e um ar profundamente melancólico)
Vinho é coisa santa, santa, santa
Que nos faz bem à garganta
Como diz Nosso Senhor
Porque quando bebes vinho
Já não te sentes sozinho
Sentes muito mais Amor!
Vinho é coisa santa, santa, santa
E o ânimo te alevanta!
Muito obrigado. E é esse exactamente o tema da nossa homilia: vinho é coisa santa e santifica! Por isso é que a gente se sente bem quando bebe! Ficamos logo melhores. E isso é bom para nós e para todos. Melhores por dentro e por fora. A realidade do lado de fora também parece mais suportável…Já que não se consegue mudar nada nada nada e o Mal continua a reinar incontestado…Incontestado! E Ele deixa…Ele pactua… (Olha para cima) Sim, sim, não Te faças de sonso! Não ajudas nada! E isto está tudo cada vez pior. Bem, conversa acabada. Nem vale a pena argumentar Contigo.
(Ignora o De Cima, levanta-se de repente, vem para a frente, começa a homilia)
São inúmeras, incontáveis, as referências bíblicas aos benefícios do vinho. O vinho é um símbolo. Quando é bom! Quando não é bom, não é símbolo, não é nada! Depois, claro, há uns estudiosos muito distintos que discutem se há um vinho bom e um vinho mau e dizem que desse é que não se deve abusar, pois, é cá preciso estudiosos da Bíblia para nos dizerem que não se deve abusar do vinho mau, porque nós não sabíamos isso, somos mesmo estúpidos. Ora, poça prós estudiosos! Bem, então, as Bodas de Caná. Não, primeiro, a Última Ceia. Ora bem. Começo com uma pergunta. Nosso Senhor na última ceia, quando o empregado veio perguntar “então e para beber, o que é que vai ser?” disse, por acaso : “É sumol de laranja pra todos!”? Não disse! Claro, que havia sempre de haver um apóstolo a pedir: para mim é de ananás, sim? Há sempre um sacana que quer de ananás, não sei como é que se pode beber tal zurrapa, mas enfim! Mas Jesus não. Não. Não disse. Pediu vinho do bom, que era festa. A última festa. Doze gajos a jantar na taberna e bebiam compal de uva, se calhar? Ora francamente, é mesmo não querer ver as coisas como elas são. Beberam vinho. Não foi água…Só de pensar nisso… (Sai depressa. Pausa. Volta a entrar)
Estamos todos? Então vamos lá. Onde é que estão os noivos? Eu sei que é uma cerimónia moderna, mas em princípio tem de haver noivos. De qualquer sexo. Não faço questão. Ora então, as Bodas de Caná. A mãe de Jesus estava presente. E quando percebeu que tinha acabado o vinho da boda, veio dizer a Jesus: “Olha que se lhes acabou o vinho e agora o fornecedor só volta na próxima quinta feira!”. E Jesus, que estava sossegado, disse: “Que é que eu tenho a ver com isso, ó Mãe? A minha hora ainda não chegou!” Mas a mãe insistiu e Jesus fez o seu primeiro milagre. Pronto. Mas a parte que hoje nos interessa não é esta. Quando provou o vinho do milagre, o Mestre-sala, que era uma espécie de mestre de cerimónias daquele tempo, chamou o noivo e disse: “Todos servem primeiro o vinho bom e quando os convidados já estão embriagados então vem o vinho mau”, o que faz sentido, acrescento eu, porque já estão todos mais para lá do que para cá e tanto lhes faz água pé ou jeropiga, que é tudo para vomitar, mula velha, cabeça de burro, coices do asno, pode ser pasmados ou palermas, tanto faz. Ora, nas Bodas de Caná, aconteceu pela primeira vez o contrário: o melhor vinho ficou para o fim. A mensagem bíblica é clara: o melhor vinho deve ser servido no fim da festa. E esta é uma mensagem de esperança para todos. As pessoas devem apanhar grandes narsas nas festas porque em princípio o vinho vai sempre melhorar e o fundamental é saber aguentar até lá, porque o primeiro vinho é para os pardais, mas tem de se ir bebendo na mesma, e ir aguentando, até chegar o bolo da noiva e essas tretas e o vinho sempre a subir, a subir… (Sai, depressa) É só um instantinho, não aguento mais.
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