O Céu de Sacadura, teatro, Cotovia, 1998
Artur de Sacadura Freire Cabral nasceu em Celorico da Beira, em 23 de Maio de 1881. Foi o mais velho de dez irmãos, por cuja educação se responsabilizou muito cedo, devido à morte do pai. Entrou para a Escola Naval aos dezasseis anos e foi o primeiro do Curso, estudante sisudo, reflectido, e sempre com falta de dinheiro. Em 1901, como guarda-marinha, está em Moçambique onde participa no levantamento hidrográfico da bacia do rio Espírito Santo e afluentes do qual resultaria a carta hidrográfica do porto e canal de acesso a Lourenço Marques.
Artur de Sacadura Freire Cabral nasceu em Celorico da Beira, em 23 de Maio de 1881. Foi o mais velho de dez irmãos, por cuja educação se responsabilizou muito cedo, devido à morte do pai. Entrou para a Escola Naval aos dezasseis anos e foi o primeiro do Curso, estudante sisudo, reflectido, e sempre com falta de dinheiro. Em 1901, como guarda-marinha, está em Moçambique onde participa no levantamento hidrográfico da bacia do rio Espírito Santo e afluentes do qual resultaria a carta hidrográfica do porto e canal de acesso a Lourenço Marques.
do espectáculo
O CÉU DE SACADURA, texto de Luísa Costa Gomes,
encenação de Nuno Carinhas, Teatro Nacional D. Maria II,
(encomenda da EXPO 98, Festival dos 100 Dias)
O Céu de Sacadura
Artur de Sacadura Freire Cabral nasceu em Celorico da Beira, em 23 de Maio de 1881. Foi o mais velho de dez irmãos, por cuja educação se responsabilizou muito cedo, devido à morte do pai. Entrou para a Escola Naval aos dezasseis anos e foi o primeiro do Curso, estudante sisudo, reflectido, e sempre com falta de dinheiro. Em 1901, como guarda-marinha, está em Moçambique onde participa no levantamento hidrográfico da bacia do rio Espírito Santo e afluentes do qual resultaria a carta
hidrográfica do porto e canal de acesso a Lourenço Marques. Em 1907 chega a Moçambique o comandante Gago Coutinho, geógrafo, encarregado da Missão Geodésica em que Sacadura é integrado. No mato, diz Coutinho que o rigor das suas observações chegava a "causar admiração no Observatório em Lisboa". Em 1911 é encarregado do Observatório de Luanda e, no ano seguinte é integrado na Missão do Barotze, para a delimitação da fronteira da Lunda, em Angola, ao longo de mais de 400 quilómetros.
Nestas missões viveu Sacadura alguns anos no mato, tendo atravessado a África. Em 1915, regressado a Lisboa, concorre à Aviação e acaba por ser encarregado, depois de treinar em Chartres, de organizar a Aviação Naval portuguesa. Gago Coutinho explica assim a passagem de Sacadura da Marinha para a Aviação: "A Marinha era meio acanhado para um homem de tão altas e arrojadas aspirações". Em 1919 participa em acções militares de bombardeamento contra os rebeldes monárquicos, durante a insurreição do Norte. É também neste ano que começa, com Gago Coutinho, a preparar a travessia do Atlântico Sul, realizada em 1922. No ano anterior, faz o raid Lisboa-Madeira, com Ortins Bettencourt e Gago Coutinho, usando já instrumentaria de navegação aérea que depois utilizará na viagem ao Brasil. O valor científico desta viagem reside justamente no facto de ser a primeira em que se conseguirá demonstrar a possibilidade de navegação astronómica exacta através do corrector de rumos e do sextante adaptado, estabelecendo a primazia dos aviadores portugueses neste domínio.
A travessia do Atlântico Sul foi seguida passo a passo pela imprensa e intensamente vivida em Portugal e no Brasil. Deu origem a homenagens sem fim, banquetes, sessões solenes, discursos, que Sacadura e Gago Coutinho iam procurando capitalizar através de uma subscrição nacional a favor da Aviação Marítima, que dava os seus primeiros passos. Sacadura, profundamente lusófono, considerou a viagem como uma forma de aproximar as duas nações e mobilizá-las para o renascimento de um passado comum glorioso.
Logo de seguida, começou a preparar uma viagem de circum-navegação aérea que refizesse a de Fernão de Magalhães. Gago Coutinho seria de novo o seu navegador. Em Abril de 1923 leva o projecto ao Ministro da Marinha, Azevedo Coutinho, que o apresenta em Conselho de Ministros. Pede 60.000 libras, metade das quais a serem pagas pelo Brasil, visto que o piloto imaginava esta grande expedição geográfica aérea como uma empresa conjunta. Sacadura, enquanto Gago Coutinho faz campanha de recolha de fundos no Brasil, sobretudo junto da comunidade portuguesa, pede audiência aos deputados e senadores do Congresso da República e, em 20 de Junho, abre uma subscrição nacional. Mas a viagem não tem só entusiastas. O comandante da Base dos Submarinos, Sousa Gentil, considera-a uma aventura dispendiosa e inútil e o deputado militar António Maya acusa Sacadura de errar o cálculo das despesas e de querer enganar o público. O Brasil, em permanente contenção de despesas, nem responde ao apelo de Sacadura. Ao mesmo tempo, Sarmento de Beires e Brito Paes, pilotos da Aviação de Guerra, apresentam o projecto de uma viagem de circum-navegação (que começara por ser uma viagem a Macau...) que realizarão a expensas próprias, com apenas um avião (Sacadura pedia seis aviões) e algumas centenas de escudos (nesta altura, já Sacadura pedia apenas três mil contos ao Estado). Com o produto da subscrição nacional em Portugal e no Brasil, em Agosto de 1923, Sacadura encomendou cinco aviões Fokker à fábrica holandesa. Faltavam-lhe os navios-apoios, que a Marinha de Guerra havia de providenciar. Ouviam-se vozes discordantes: os navios de guerra não deviam ser usados em missões "de recreio" e além disso, a Marinha não tinha sequer dinheiro para manter os seus navios a navegar, quanto mais despender verba a apoiar a
Aviação. Em Fevereiro de 1924, como forma de pressionar o Governo, Sacadura pede a demissão de oficial de Marinha. O pedido é indeferido.
As duas propostas - a da Aviação Marítima e a da Aviação do Exército - foram a Conselho de Ministros, que resolveu adiar a decisão. Entretanto, várias equipas de pilotos ingleses e americanos preparavam a viagem de circum-navegação. Em Setembro de 1924, o Major Martin, americano, com apenas um acidente em todo o percurso, terminou a viagem que Sacadura não pudera fazer, por falta de verbas. Com os aviões Fokker, Sacadura decide começar a Aviação comercial em Portugal, com uma carreira regular Lisboa-Madrid, na Primavera seguinte. E projecta, entre outras coisas, uma viagem aérea à Índia, seguindo a rota de Vasco da Gama.
Em 15 de Novembro de 1924, descolando de Amesterdão com nevoeiro em direcção a Lisboa a bordo de um dos Fokker que fora buscar à Holanda, Sacadura e o cabo mecânico Pinto Correia desapareceram no Canal da Mancha. A 30 milhas de Brighton, um navio encontrou apenas um flutuador do avião com o número de série do aparelho pilotado por Sacadura Cabral. Após algumas buscas infrutíferas, começaram em Portugal as palavrosas homenagens . Mas Sacadura foi promovido apenas em 1997 e a pensão retirada à irmã poucos anos depois da sua morte.
Como personagem, Sacadura é um fleumático. Nos vários acidentes que teve, dizem os companheiros que permaneceu impávido à espera de socorro, no meio do mar, dormindo, fumando, bebendo vinho do Porto. Gago Coutinho afirmava que, em África, ele era capaz de estar dias a fio sem dizer uma palavra. Os outros militares vêem nele um modelo, com as características típicas do Homem de Aço: brio, tenacidade, perseverança, serenidade em condições adversas, sangue-frio. Seria contido e um pouco arrogante, outros dizem que mesmo brusco e seco, ou até duro, agressivo, inflexível, intratável. Com as mulheres, ao que parece, era diferente e tinha alguma reputação de charmeur. Um estudo grafológico (!) revela-o individualista, independente, sincero, discreto e dedicado. Mostra que a sensibilidade era refreada pela razão e que um dos seus traços fundamentais era uma extrema confiança em si próprio. Aliada a uma susceptibilidade briosa, a um desejo de ser apreciado, esta confiança define a personagem - que se torna perplexa e um tanto "desestabilizada" apenas nos diálogos com a Noiva Nova.
Acto I
PERSONAGENS:
DUAS MULHERES MUITO IDOSAS VESTIDAS DE NEGRO UM CASAL QUE ESPERA O TRANSPORTE
A NOIVA VELHA DE SACADURA A NOIVA NOVA
UM CORO DE CINCO SACADURA CABRAL
Cena VII
(Noite. Abóbada estelar. SACADURA CABRAL sozinho, deitado de costas sobre o flutuador, fuma tranquilamente ouvindo o chape-chape das ondas contra o avião.Deixa-se estar. Depois senta-se, tira uma garrafinha pequena de Porto (Ramos Pinto), bebe um golo, tenta ver à transparência que quantidade lhe resta. Acaba o cigarro, atira-o borda fora. Tira um maço do bolso interior do blusão de couro. Conta os cigarros).
SACADURA - Quatro, três, dois, um, nenhum. (Olha um pouco ansioso para o longe, depois consulta o relógio). Meia-noite. Acalmou, está limpo. Não me vêem antes das cinco, seis da manhã , na melhor das hipóteses, se o tempo se mantiver. O
vento leva-me para ... (sente o vento com a mão) noroeste... isto dá um cigarro em cada noventa minutos. Se aparecerem pelas oito horas, um cigarro cada duas horas. Se demorarem mais é que vai ser o diabo... (Bebe mais um golo) Já passaram três navios... (Sorri) Dez horas de busca, não é muito. Pode atrasar mais ainda. Se me aparecerem às oito da manhã, já não é nada mau. Nada mau mesmo. Dá um cigarro de duas em duas horas... (Tira um cigarro) Fumo só este agora, depois durmo. (Acende o cigarro, deita-se novamente) Amanhã logo se vê.
na imprensa
O Céu de sacadura in eCultura