QUATRO SANTOS EM TRÊS ACTOS, Four Saints in Three Acts, libreto de Gertrude Stein,
música de Virgil Thomson, (Fevereiro, 1934 ).
Tradução e dramaturgia de Luísa Costa Gomes,
encenação de António Pires, Teatro do Bairro, 9 de Julho de 2015
“Uma ópera completamente interessante tanto nas palavras como na música”
No princípio dos anos vinte do século XX, Virgil Thomson, então um jovem compositor de trinta anos e Gertrude Stein, que ia nos cinquenta e três, tornaram-se amigos e interessados no trabalho um do outro. Para Stein, Thomson “entendera muito bem, sem dúvida, a música de Satie e tinha uma compreensão muito própria da prosódia”. Thomson, que já musicara textos de Stein, convidou-a em 1927 para lhe escrever o libreto de uma ópera. Na Autobiografia de Alice B. Toklas, Stein descreve assim a génese do processo: “Entre os santos havia dois santos que ela (Gertrude Stein) preferia a todos os outros: Santa Teresa de Ávila e Inácio de Loyola e disse que lhe escrevia uma ópera sobre estes dois santos. Começou isto e trabalhou muito toda essa Primavera e finalmente acabou e deu-a a Virgil Thomson para ele musicar. Ele musicou. E é uma ópera completamente interessante tanto nas palavras, como na música”. Thomson, por seu lado, descreve assim a origem do projecto: “O tema que escolhemos, por sugestão minha, seria a vida de trabalho do artista no seu trabalho, que era a vida que ambos então vivíamos. Era minha ideia que as coisas boas vêm aos pares. Nas cartas, por exemplo, havia Joyce e Stein, na pintura Picasso e Braque, em religião Protestantes e Católicos, ou Cristãos e Judeus, em universidades, Harvard e Yale, e por aí fora, até à coisa mais básica, o refugo das lojas baratas da Gimbel ́s e da Macy ́s . Esta visão dualística tornou possível ter protagonistas masculinos e femininos e “protagonistas” secundários e coros à volta deles...
No princípio dos anos vinte do século XX, Virgil Thomson, então um jovem compositor de trinta anos e Gertrude Stein, que ia nos cinquenta e três, tornaram-se amigos e interessados no trabalho um do outro. Para Stein, Thomson “entendera muito bem, sem dúvida, a música de Satie e tinha uma compreensão muito própria da prosódia”. Thomson, que já musicara textos de Stein, convidou-a em 1927 para lhe escrever o libreto de uma ópera. Na Autobiografia de Alice B. Toklas, Stein descreve assim a génese do processo: “Entre os santos havia dois santos que ela (Gertrude Stein) preferia a todos os outros: Santa Teresa de Ávila e Inácio de Loyola e disse que lhe escrevia uma ópera sobre estes dois santos. Começou isto e trabalhou muito toda essa Primavera e finalmente acabou e deu-a a Virgil Thomson para ele musicar. Ele musicou. E é uma ópera completamente interessante tanto nas palavras, como na música”. Thomson, por seu lado, descreve assim a origem do projecto: “O tema que escolhemos, por sugestão minha, seria a vida de trabalho do artista no seu trabalho, que era a vida que ambos então vivíamos. Era minha ideia que as coisas boas vêm aos pares. Nas cartas, por exemplo, havia Joyce e Stein, na pintura Picasso e Braque, em religião Protestantes e Católicos, ou Cristãos e Judeus, em universidades, Harvard e Yale, e por aí fora, até à coisa mais básica, o refugo das lojas baratas da Gimbel ́s e da Macy ́s . Esta visão dualística tornou possível ter protagonistas masculinos e femininos e “protagonistas” secundários e coros à volta deles...
As nossas conversas sobre o escrever uma ópera devem ter sido em Janeiro ou Fevereiro de 1927, porque em Março Miss Stein escreveu-me que tinha “começado Começo dos Estudos para uma ópera para ser cantada... Quatro Santos em três actos. E outros. Será pastoral. Em montes e jardins. Todos os quatros e mais adições. Temos de os inventar. Mas da próxima vez que você cá vier mostro-lhe um bocadinho e falamos”. Thomson respondeu imediatamente:“Ando a ler na enciclopédia sobre santos. Teresa e Inácio de Loyola são capazes de fazer um bom par espanhol. Acho que o melhor plano seria ter nomes fictícios, usando não mais da personagem real do que for necessário, evitando a pretensão do drama histórico.” No
mesmo dia, Stein escreveu de novo a Thomson: “Os santos ainda se estão a divertir”. E, quatro dia mais tarde: “ Acho que já tenho a Santa Teresa no palco, foi uma luta terrível mas acho que consigo mantê-la e gradualmente, no segundo acto, pôr o Santo Inácio e depois ficam os dois juntos mas não no terceiro acto”. Stein acabou o texto em meados de Junho e mandou a Thomson uma cópia do escrito dactilografado por Alice B. Toklas. A 17 de Junho ele escreveu: “Obrigada pelos santos. Por cada um e sempre e todos”. Publicado em 1929, o drama lírico QUATRO SANTOS EM TRÊS ACTOS/Uma ópera para ser cantada, foi mais tarde incluído no volume ÓPERAS E PEÇAS. A ópera foi primeiro encenada no Avery Memorial (Hartford, Connecticut) e pouco mais tarde fez uma temporada em Nova Iorque, sendo depois muitas vezes encenada e recriada. FOUR SAINTS foi a primeira ópera a ser interpretada por um elenco inteiramente composto de cantores negros.
mesmo dia, Stein escreveu de novo a Thomson: “Os santos ainda se estão a divertir”. E, quatro dia mais tarde: “ Acho que já tenho a Santa Teresa no palco, foi uma luta terrível mas acho que consigo mantê-la e gradualmente, no segundo acto, pôr o Santo Inácio e depois ficam os dois juntos mas não no terceiro acto”. Stein acabou o texto em meados de Junho e mandou a Thomson uma cópia do escrito dactilografado por Alice B. Toklas. A 17 de Junho ele escreveu: “Obrigada pelos santos. Por cada um e sempre e todos”. Publicado em 1929, o drama lírico QUATRO SANTOS EM TRÊS ACTOS/Uma ópera para ser cantada, foi mais tarde incluído no volume ÓPERAS E PEÇAS. A ópera foi primeiro encenada no Avery Memorial (Hartford, Connecticut) e pouco mais tarde fez uma temporada em Nova Iorque, sendo depois muitas vezes encenada e recriada. FOUR SAINTS foi a primeira ópera a ser interpretada por um elenco inteiramente composto de cantores negros.
“A peça é uma paisagem”
Sobre FOUR SAINTS disse Gertrude Stein, numa das suas Conferências na América : “Fiz dos santos a paisagem. Todos os santos que eu fiz e fiz bastantes porque afinal há na paisagem muitos bocados de coisas e todos estes santos juntos fizeram a minha paisagem. ” E, mais à frente: “ As pêgas estão na paisagem, isto é, estão no céu de uma paisagem, são brancas e negras e estão na paisagem em Bilignin e em Espanha, especialmente em Ávila. Quando estão no céu fazem uma coisa que eu nunca vi nenhum pássaro fazer que é manterem-se a pairar acima e abaixo e recortam-se planas no fundo do céu. Um inventor francês muito famoso de coisas que têm a ver com a estabilização na aviação disse-me que o que eu lhe estava a dizer que as pêgas faziam não podia ser feito por nenhum pássaro mas seja como for quer as pêgas em Ávila o façam ou não o façam pelo menos parece que o fazem. São exactamente como os pássaros nas imagens da Anunciação que são o Espírito Santo e pousam planas contra o fundo do céu muito alto. Havia pêgas na minha paisagem e havia espantalhos. Os espantalhos no chão são a mesma coisa que as pegas no céu, são parte da paisagem. Elas as pegas podem contar a história delas se elas e vocês quiserem ou mesmo se eu quiser mas as histórias não passam de histórias mas que elas pairam no ar não é uma história mas uma paisagem. Que os espantalhos estão no chão é a mesma coisa podia ser uma história mas é um peça da paisagem”.
A tradução é obviamente uma versão, construída numa linha soluçante que vai da literalidade, o que quer que isso queira dizer, à criação de texto original. Em certos momentos parte-se do original para se criar de raiz o seu sentido, em outros momentos repete-se, sem consciência, exactamente o que lá está. Mas um texto desta natureza pede criação: e ela aparece de vez em quando sob a forma de paródia quase trava- línguas dos poemas barrocos de Santa Teresa.
Luísa Costa Gomes
“A ideia base do espectáculo é construir de raiz em palco a contracena com uma ópera pré-existente. Tem essa estranheza de um espaço coreografado em que o texto é dito e agido mas não se canta. Pretendi que essa contracena com a ópera gravada passasse fundamentalmente pela interacção com o corpo do actor, que o actor pudesse agir e reagir à música e entrar em relação com ela. A investigação centrou-se em dois aspectos: o primeiro, a questão da mística Santa Teresa de Ávila. Li a Santa Teresa, fui a Ávila, procurei as carmelitas – não fui eu que falei com a velha carmelita, fez-me medo...- andei na pista de uma carmelita chamada Edith Stein que me convenci ser prima ou ter qualquer coisa a ver com a Gertrude Stein, etc. Foi o meu período Santa Teresa. O texto parece caótico, mas não só tem subjacente uma série de factos da vida de Santa Teresa e a descrição de Ávila é bastante correcta, como se vislumbra uma narrativa. Às vezes os actores fazem coisas muito concretas, parece que estão mesmo a contar uma história. Na construção do espectáculo, por outro lado, foi para mim importante procurar imagens de gestos rituais religiosos, da procura de uma espiritualidade, que aparecem em muitas cenas: desde as imagens do êxtase da mística cristã ao transe dos derviches dançantes, aos rituais sufi, aos movimentos da roda dos muçulmanos em Meca, às lamentações ao pé do Muro, imagens de meditação, de procura da elevação, etc. A música leva, ela própria, a esse estado de espírito. No princípio comecei a intelectualizar muito a abordagem à encenação. Depois pensei que tinha a informação, mas aqui vou deixar-me impressionar, criar de forma caótica, inconsciente, e fazer um exercício impressionista, baseado no prazer e no sensível. Deixei-me levar pelo texto, deixei-me tomar pela música, há momentos hilariantes, toda a ópera é extremamente lúdica. Há uma tentativa de construir alguma coisa e isso é visível. A sensação que dá é que o discurso é sempre interrompido. Duas personagens entram em cena para construir alguma coisa e as outras personagens que nunca têm contacto directo com o público, vão representando os quadros de que eles vão falando ou as tentativas de quadros...
O João Mendes Ribeiro construiu um cenário com referência directa à Bauhaus, o que fez com que também eu reproduzisse muitas imagens do mesmo movimento. Ele pôs no espectáculo o céu, através de um gigantesco espelho oblíquo. A visão é a de uma paisagem celeste, que nunca está só no chão, e isso cria uma alteração da percepção do espaço e do que se passa no palco”.
António Pires
Sobre FOUR SAINTS disse Gertrude Stein, numa das suas Conferências na América : “Fiz dos santos a paisagem. Todos os santos que eu fiz e fiz bastantes porque afinal há na paisagem muitos bocados de coisas e todos estes santos juntos fizeram a minha paisagem. ” E, mais à frente: “ As pêgas estão na paisagem, isto é, estão no céu de uma paisagem, são brancas e negras e estão na paisagem em Bilignin e em Espanha, especialmente em Ávila. Quando estão no céu fazem uma coisa que eu nunca vi nenhum pássaro fazer que é manterem-se a pairar acima e abaixo e recortam-se planas no fundo do céu. Um inventor francês muito famoso de coisas que têm a ver com a estabilização na aviação disse-me que o que eu lhe estava a dizer que as pêgas faziam não podia ser feito por nenhum pássaro mas seja como for quer as pêgas em Ávila o façam ou não o façam pelo menos parece que o fazem. São exactamente como os pássaros nas imagens da Anunciação que são o Espírito Santo e pousam planas contra o fundo do céu muito alto. Havia pêgas na minha paisagem e havia espantalhos. Os espantalhos no chão são a mesma coisa que as pegas no céu, são parte da paisagem. Elas as pegas podem contar a história delas se elas e vocês quiserem ou mesmo se eu quiser mas as histórias não passam de histórias mas que elas pairam no ar não é uma história mas uma paisagem. Que os espantalhos estão no chão é a mesma coisa podia ser uma história mas é um peça da paisagem”.
A tradução é obviamente uma versão, construída numa linha soluçante que vai da literalidade, o que quer que isso queira dizer, à criação de texto original. Em certos momentos parte-se do original para se criar de raiz o seu sentido, em outros momentos repete-se, sem consciência, exactamente o que lá está. Mas um texto desta natureza pede criação: e ela aparece de vez em quando sob a forma de paródia quase trava- línguas dos poemas barrocos de Santa Teresa.
Luísa Costa Gomes
“A ideia base do espectáculo é construir de raiz em palco a contracena com uma ópera pré-existente. Tem essa estranheza de um espaço coreografado em que o texto é dito e agido mas não se canta. Pretendi que essa contracena com a ópera gravada passasse fundamentalmente pela interacção com o corpo do actor, que o actor pudesse agir e reagir à música e entrar em relação com ela. A investigação centrou-se em dois aspectos: o primeiro, a questão da mística Santa Teresa de Ávila. Li a Santa Teresa, fui a Ávila, procurei as carmelitas – não fui eu que falei com a velha carmelita, fez-me medo...- andei na pista de uma carmelita chamada Edith Stein que me convenci ser prima ou ter qualquer coisa a ver com a Gertrude Stein, etc. Foi o meu período Santa Teresa. O texto parece caótico, mas não só tem subjacente uma série de factos da vida de Santa Teresa e a descrição de Ávila é bastante correcta, como se vislumbra uma narrativa. Às vezes os actores fazem coisas muito concretas, parece que estão mesmo a contar uma história. Na construção do espectáculo, por outro lado, foi para mim importante procurar imagens de gestos rituais religiosos, da procura de uma espiritualidade, que aparecem em muitas cenas: desde as imagens do êxtase da mística cristã ao transe dos derviches dançantes, aos rituais sufi, aos movimentos da roda dos muçulmanos em Meca, às lamentações ao pé do Muro, imagens de meditação, de procura da elevação, etc. A música leva, ela própria, a esse estado de espírito. No princípio comecei a intelectualizar muito a abordagem à encenação. Depois pensei que tinha a informação, mas aqui vou deixar-me impressionar, criar de forma caótica, inconsciente, e fazer um exercício impressionista, baseado no prazer e no sensível. Deixei-me levar pelo texto, deixei-me tomar pela música, há momentos hilariantes, toda a ópera é extremamente lúdica. Há uma tentativa de construir alguma coisa e isso é visível. A sensação que dá é que o discurso é sempre interrompido. Duas personagens entram em cena para construir alguma coisa e as outras personagens que nunca têm contacto directo com o público, vão representando os quadros de que eles vão falando ou as tentativas de quadros...
O João Mendes Ribeiro construiu um cenário com referência directa à Bauhaus, o que fez com que também eu reproduzisse muitas imagens do mesmo movimento. Ele pôs no espectáculo o céu, através de um gigantesco espelho oblíquo. A visão é a de uma paisagem celeste, que nunca está só no chão, e isso cria uma alteração da percepção do espaço e do que se passa no palco”.
António Pires
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