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Vida de Rámon, romance, Dom Quixote, 1991; reedição revista Dom Quixote, 2017
"Vida de Rámon é uma biografia romanceada deste filósofo, místico e missionário maiorquino do século XIII. A ela se juntam ainda, nesta edição, a tradução da Vita Coetanea, biografia anónima escrita em 1311 e fonte quase única de informações sobre a vida do Doutor Iluminado, uma brevíssima nota sobre o sistema Iulliano, uma tábua sincrónica dos anos 1232-1316 e algumas figuras do Electorium Parvum Meum, que acompanhavam a antologia de textos de Llull que Thomas Le Myésier apresentou à rainha de França alguns anos após a morte do Mestre."
Ramon Llull nasceu em Maiorca e viveu no Mundo.
Passeou a sua indomável autonomia pelo Mediterrâneo, África do Norte, Ásia Menor, espalhando sonhos e ideais de outras épocas, passadas e futuras.
O mesmo homem que ficou para os tempos como o Doutor Iluminado, o Fantástico, o Louco de Amor Divino, autor de um método complexo e desconcertante de alcançar a verdade, foi também o primeiro a escrever na sua língua, o catalão, para poder ser compreendido pelo homem vulgar.
O mesmo que pregou a vocação universalista do Cristianismo, a cruzada para a Reconquista das Terras Santas, querendo acolher todos os povos na mesma fé, reconhecia-se açor solitário, eremita, cavaleiro espiritual.
O mesmo homem que fez missão da sua vida converter os Infiéis e sofrer por eles o martírio ficou na história como o grande divulgador da cultura muçulmana e introdutor dos Estudos Árabes no Ocidente. E esta é apenas uma das ironias do seu destino paradoxal.
VIDA DE RAMÓN é uma biografia romanceada deste filósofo, místico e missionário maiorquino do século XIII. A ela se juntam ainda, nesta edição, a tradução da Vita Coetanea, biografia anónima escrita em 1311 e fonte quase única de informações sobre a vida do Doutor Iluminado, uma brevíssima nota sobre o sistema Iulliano, uma tábua sincrónica dos anos 1232-1316 e algumas figuras do Electorium Parvum Meum, que acompanhavam a antologia de textos de Llull que Thomas Le Myésier apresentou à rainha de França alguns anos após a morte do Mestre.
Traduções : catalã, francesa, holandesa
Passeou a sua indomável autonomia pelo Mediterrâneo, África do Norte, Ásia Menor, espalhando sonhos e ideais de outras épocas, passadas e futuras.
O mesmo homem que ficou para os tempos como o Doutor Iluminado, o Fantástico, o Louco de Amor Divino, autor de um método complexo e desconcertante de alcançar a verdade, foi também o primeiro a escrever na sua língua, o catalão, para poder ser compreendido pelo homem vulgar.
O mesmo que pregou a vocação universalista do Cristianismo, a cruzada para a Reconquista das Terras Santas, querendo acolher todos os povos na mesma fé, reconhecia-se açor solitário, eremita, cavaleiro espiritual.
O mesmo homem que fez missão da sua vida converter os Infiéis e sofrer por eles o martírio ficou na história como o grande divulgador da cultura muçulmana e introdutor dos Estudos Árabes no Ocidente. E esta é apenas uma das ironias do seu destino paradoxal.
VIDA DE RAMÓN é uma biografia romanceada deste filósofo, místico e missionário maiorquino do século XIII. A ela se juntam ainda, nesta edição, a tradução da Vita Coetanea, biografia anónima escrita em 1311 e fonte quase única de informações sobre a vida do Doutor Iluminado, uma brevíssima nota sobre o sistema Iulliano, uma tábua sincrónica dos anos 1232-1316 e algumas figuras do Electorium Parvum Meum, que acompanhavam a antologia de textos de Llull que Thomas Le Myésier apresentou à rainha de França alguns anos após a morte do Mestre.
Traduções : catalã, francesa, holandesa
leia um excerto
Poucos dias depois, Ramón saiu da Medina para visitar Arnau de Furno. Como este já tinha acertado o encontro do Barbaflorida com o cheique de uma comunidade, entretiveram-se a conversar sobre as espinhosas condições da evangelização e, ao fim da tarde, puseram-se a caminho.
Na parte sudoeste da cidade, encostada à vertente que descia da kasba, floresceram desde o tempo de al-Mostancir as casas de mestres sufis, em que viviam e ensinavam. Eram sobretudo seguidores de Sidi Abu l-Hasan as-Chadeli, que morrera longe uns trinta e tantos anos antes, e que fora expulso de Túnis quando o sultão se sentira ameaçado pela força da sua baraka. Mas deixara muitos discípulos que invocavam o seu nome, o exemplo da sua piedade e, mesmo contra o seu ensinamento que ditava uma vida contemplativa, solitária e errante, cedo se juntaram em zauia.
Rodearam Ramón e o franciscano a muralha para leste e, saboreando no passeio os pomares, os jardins e os belos cultivos que os lavradores emigrados do Andaluz tratavam com mestria, passando a porta de Jazira, foram até à mesquita em que Ramón pernoitava e daí chegaram à casa que o cheique Abu Ichac dirigia. Era um edifício pequeno, de planta quadrada, como era vulgar em Túnis, e no pátio interior apinhavam-se já os Chadelia para a sessão. Arnau de Furno fez sinal a Ramón para que esperasse à porta e entrou numa cela.
Ramón ficou a rezar, recitando para si passagens do seu Livro de Santa Maria, mas demorando-se o franciscano, acabou por se sentar no meio da recolhida assembleia.
Entraram então o cheique e os companheiros e instalaram-se diante dos outros. Recitaram cem vezes «Peço perdão a Deus», e outras cem «Meu Deus, abençoa o Nosso Senhor Maomé, o Profeta iletrado, a sua família e os seus companheiros». E ainda outras cem: «Não há outro Deus senão Deus». Iniciaram então as prostrações do ritual e sentaram-se para ouvir o cheique recitar o Kitab al-Ucva de Sidi Hasan Chadeli.
Ramón deixou de esperar o seu momento. Tomou os grãos de café que um vizinho lhe estendia de bandeja, mascou-os atenciosamente e internou-se, apertado no meio dos muçulmanos, numa noite de íntima e solitária oração. Lembrava-se de ter vigiado, indiferente, a porta que tragara Arnau de Furno; vira-o recortado contra a parede branca e reparara no sinal que lhe fizera – parecia ter querido dizer que estava tudo combinado, que descansasse. Agora suspeitava que ele e o chadeli não viriam à fala tão cedo. Aquelas vigílias sabia que duravam até ao nascer do Sol e preparou-se, por isso, para uma frutuosa noite em claro.
Foi só na tarde do dia seguinte que pôde ver de perto Abu Ichac. Decidindo-se a passar sem intermediários, entrou no pátio deserto e seguiu o som das vozes. Eis o que ele ouviu:
– Contam os nossos virtuosos antepassados (Deus tenha compaixão deles!) que há uma ilha na Índia, situada na linha equatorial, em que nascem os homens sem pai nem mãe, porque é o clima daquele lugar o mais temperado da Terra e o mais bem disposto a receber os raios de luz da região mais alta. No centro desta ilha havia uma argila ou terra que fermentara ao longo dos anos, de modo que o calor e o frio, o seco e o húmido se misturaram nela em partes iguais e em perfeito equilíbrio de forças. A parte central daquela terra era a mais proporcionada e a que mostrava a semelhança mais perfeita ao composto humano; ao agitar-se produziu, pela sua viscosidade, umas bolhas, como as da água a ferver. No centro, apareceu uma bolha pequeníssima, dividida em duas partes por uma membrana muito fina e cheia de um corpo subtil, aéreo, constituído exactamente segundo as proporções convenientes. Então uniu-se a este corpo o espírito que emana de Deus, numa união tão perfeita, que nem os sentidos, nem a Razão podem conceber que se separem.
A um sinal do mestre, o declamador calou-se, mandou sentar Ramón que ficara ao canto, esperando, encostado à parede, e fez sinal ao companheiro seguinte para que continuasse:
– Formado completamente este corpo, abriram-se as envolturas que o protegiam, como no parto, e rachou-se a argila pela acção da secura. A criança começou a chorar de fome e uma gazela que tinha perdido a cria acorreu a alimentá-la.
Haii cresceu no meio das gazelas e dos outros animais. Olhando-os, revestidos de lã, de pelo, de penas, observando-lhes a rapidez da corrida, a força e as armas com que os dotara a Natureza, comparando-os à sua própria nudez e desprovimento, achava-se inferior a eles e apoquentava-se com isso.
A gazela que o amamentara morreu, passados alguns anos. Haii, que se habituara à observação de tudo o que o rodeava, rasgou-lhe o peito, suspeitando encontrar no órgão central a causa da doença e a razão da morte. Abriu o coração onde reside o espírito e encontrou nele duas cavidades: uma do lado esquerdo, outra do lado direito. A do lado direito estava cheia de sangue coagulado; a outra, vazia, completamente. «É preciso – reflectiu – que o que eu procuro se encontre num destes dois compartimentos. No da direita não vejo mais que sangue coagulado. O da esquerda está vazio; no entanto, não posso acreditar que esta cavidade seja inútil. Creio que aquilo que busco estava nela, mas foi-se e deixou-a vazia». E quando viu que o ser que habitava aquele compartimento partira antes da sua desagregação, abandonando-o ainda intacto, julgou mais natural concluir que não havia de regressar. E o corpo pareceu-lhe então sem valor, comparado com aquele ser que o tinha abandonado e que era seu motor e dono, e concentrou-se nele. E só a ele, daí em diante, teve amor.
Também se calou este discípulo para continuar o seguinte:
– Haii perseverou e meditou sobre aquilo que governava o corpo, sem compreender o que era. Ocorreu certo dia que, ao esfregar uma contra a outra duas canas secas, Haii fez, por acaso, fogo. Quando se deu conta do que fizera, ficou aterrado e observou depois que se tratava de uma natureza que até então desconhecera. Deteve-se, cheio de admiração, sem deixar de se aproximar dele lentamente. Viu o esplendor da sua chama, a acção irresistível que exercia sobre tudo o que dele se acercava e que era imediatamente convertido na própria natureza do fogo. E, ao notar que se movia verticalmente, tendendo para cima, mais se lhe robustecia a crença de que o fogo era uma das substâncias celestiais que vagamente percebia. Aumentando a sua admiração por aquela força, Haii chegou a pensar se o que desaparecera do coração da gazela não seria uma substância do mesmo género. Confirmou-o nesta ideia o que tinha observado nos animais, que estão quentes em vida e frios depois de mortos.
O contador seguinte adiantou a história de Haii até ao ponto em que este descobre a ideia de Deus. Concluídas as observações do mundo material, o pensador solitário achega-se ao estudo da alma e das formas, pela simples força e engenho da sua Razão. Surgiu-lhe a certo ponto inevitável a ideia de um fazedor das formas, um agente produtor incorpóreo, que não está unido a nenhum corpo sensível, nem separado dele, nem dentro, nem fora, posto que a união e a separação, a interioridade e a exterioridade são qualidades corpóreas de que está isento.
Ramón ouviu depois, da boca do mais jovem discípulo, como Haii se concentrara na captação dessa natureza elusiva, autora do mundo e dos seres e como a conhecera através da sua própria essência, porque descobrira nela impresso o conhecimento de Deus. Era este o estado da visão intuitiva de que Haii não queria já separar-se. Pôs então limitações à sua vida material, necessárias à manutenção daquele estado e escolheu as classes e a quantidade dos alimentos que devia tomar, procurando assim assemelhar-se quanto pudesse ao Ser Necessário; e, recorrendo ao movimento de rotação, à imitação das esferas celestes, rodava o corpo até se desvanecerem as coisas sensíveis – e nalguns instantes se lhe purificava o entendimento e Haii obtinha a visão intuitiva de Deus. Por meio do repouso e da imobilidade, alimentando-se do estritamente necessário, Haii quis eliminar os atributos da corporeidade. «Depois de ter perdido na Visão a noção da sua própria essência e de todas as outras essências – disse o Sufi – não vendo na existência senão o Uno, o Imutável, depois de ver intuitivamente o que viu e voltar a ver as coisas distintas de Deus ao despertar daquele estado semelhante à embriaguez, ocorreu a Haii que ele não tinha essência que o distinguisse da Verdade; que a realidade da sua essência era a essência da Verdade.»
– Conta-se ainda que numa ilha próxima viviam dois jovens virtuosos e amantes do Bem, chamados Asal e Salaman. Asal era muito sagaz e penetrante quanto ao sentido íntimo das coisas e, por isso, partidário da interpretação alegórica; Salaman, pelo contrário, preferia o sentido exterior, abstendo-se da interpretação, do exame livre e da especulação. Asal, querendo meditar mais profundamente, decidiu partir para a ilha que ele julgava deserta e que era aquela em que Haii vivia.
Um dia em que Haii, afastando-se do estado contemplativo, saíra da sua gruta para procurar alguns frutos, encontraram-se os dois sábios e, após natural suspeita e mútuo maravilhamento, vieram à fala. Haii ibn Iaqzan nunca vira um ser humano, nem conhecia a linguagem. Asal ensinou-o e foi descobrindo nele, estupefacto, os princípios e as ideias pelas quais ele próprio se regia. Teve em muita conta a inteligência e a sabedoria de Haii e acedeu quando este mostrou desejo de dar a conhecer aos habitantes da ilha vizinha a Verdade com que lograra familiarizar-se.
Mas na ilha, infelizmente, não alcançam senão provocar a desconfiança e a hostilidade dos populares. E recomendando-lhes muito que sigam à risca a letra dos textos sagrados e se guiem de perto pelas regras estabelecidas na Tradição, regressam ambos à ilha deserta para se entregarem, sem outras ilusões, à vida mística.
– O mundo aqui de baixo e o outro são como duas coesposas – comentou o cheique, sorrindo – se queremos satisfazer uma, irritamos a outra.
Sorriram todos. Preparavam-se para ouvir o mestre e começar a discussão. Ramón assistia, emocionado. Impressionava-o, mais uma vez, a proximidade, o ar de família, a inteligência que sentia com aqueles homens – e não o intrigava que admirasse muçulmanos singulares, enquanto odiava o Islão em geral. Já em Maiorca, quando visitava com o escravo as comunidades sufis, não continha a reverência por aquelas demonstrações de piedade magnífica, cujo recolhimento louvava e cuja doutrina assimilava à sua própria exactíssima fé: a de que não há realidade senão a Realidade e tudo no mundo a revela e indica. «Para onde quer que olhes, aí está a Face de Deus», dizia o Corão. Deus é amor de si, amor que se ama a si próprio. Os Nomes de Deus são fonte, causa e raiz de tudo o que existe. E tudo é mais, ou é menos, na Criação, conforme o grau de conhecimento que Deles tiver. Contavam-lhe agora a alegoria do Homem Selvagem que por força apenas da sua Razão chega aos mesmos princípios da Fé Revelada no Livro Sagrado – e a Ramón dói-lhe, mais uma vez, a persistência daqueles santos homens nos seus erros, a má aplicação que fazem dos bons princípios. Porque se é o homem o espelho côncavo da Criação, incendiando-a com os raios que recebe directamente do alto, é a ele que cabe, em primeira mão, decifrar os sinais de Deus e ouvir as Suas vozes; porque nele está a semente do conhecimento que Deus terá de si próprio e usando-a com discernimento, chegará o pensador solitário, em todo o lado, às mesmas conclusões, achadas nesse estado de intimidade com a Inteligência – das muitas línguas do Ser, fará uma única Tradução.
Porque não admitem eles, então, o mistério da Trindade, a pessoa divina de Cristo? Porque negam a realidade da Crucificação, a trindade das pessoas em Deus? E se alguns são levados a supor uma fictícia Ideia de Maomé, que permita religar o transcendente e o imanente e redimir este – como um Cristo –, não eram esses senão os místicos mais exasperados que atraíam as sempre prontas suspeitas do Islão.
– Muito certo foi muito do que ouvi – começou Ramón – mas eu digo, ao contrário, que não se deve isolar a gente numa ilha, mas batalhar com os desentendidos até que vejam e reconheçam o erro.
O cheique inclinou-se para o companheiro mais próximo que lhe bichanou a informação. Fez sinal para que Ramón se aproximasse, o que ele conseguiu com alguma majestade, embora houvesse pouco espaço por onde se mover.
– Sou Ramón Llull e conheci um dos teus mestres, há muitíssimos anos, quando passava por Barcelona. Tenho visitado as vossas casas e discutido as vossas opiniões, com autorização do Rei.
– Sabes traduzir? – perguntou o cheique, curioso. Ramón curvou-se e assentiu. Conhecia de cor aquelas cerimónias longas que precediam a discussão. Os rodeios, as formas da retórica, as atitudes que recomendavam sorrisos de parte a parte e sossego. Primeiro era preciso ganhar a confiança. Isso fazia-o ele facilmente revelando o que sabia do Corão e citando proficuamente as fontes da Tradição; depois inquiriam eles, sem parecer que interrogavam, procurando saber ao que viera, suspeitando ainda de algum ardil. E era preciso ouvi-los sem se sobressaltar, falar-lhes sem os ofender, mas saber desafiá-los para a controvérsia sem receio:
– Não é também a tua opinião, que devemos ir junto daqueles que não acreditam e conhecer-lhes as razões e trocar com essas os argumentos da nossa fé? O instrumento deste combate é, como na fábula que vos ouvi contar, a Razão una e universal. É dela que usarei para, se me quiseres ouvir e me deres oportunidade, provar por razões necessárias os dogmas da essência trinitária de Deus e da Encarnação do Verbo. E farei tudo isto de tal modo que a tua inteligência não poderá responder, nem resolver as questões que apresento. E assim penso eu reduzir-te à fé católica.
– Diz a Tradição do Profeta – sorriu o Sufi – que é superior a guerra que devemos à nossa alma carnal; inferior é batalhar contra o Infiel.
Ramón não quis entrar por ali. Vendo que o cristão não resistia ao desejo de confronto, o Sufi arrumou-se e aprumou-se para o concurso. Percorreu os companheiros um arrepio de louvor pelo seu campeão; e ele não podia dissimular que a agilidade com que aceitara o repto tinha a ver com a antecipação de uma vitória sem dificuldades.
Mas a guerra preparada cedo se volveu em plácida conversa de irmãos. Quando Ramón argumentava sobre a necessidade da essência trinitária de Deus, não o surpreendeu que Abu Ichac lhe respondesse com a mística trindade do Amor, do Amante e do Amado, que Ramón já incluíra no seu Blaquerna.
– A todo o instante – disse o cheique –, com cada língua, o Amor sussurra o seu segredo ao seu próprio ouvido; em cada momento, com cada um dos ouvidos, ouve as suas próprias palavras, proferidas pela sua própria boca. Em cada minuto, com todos os olhos, revela ao seu próprio olhar a sua beleza; em cada segundo, em todo o lado, apresenta a si mesmo o seu próprio ser como testemunha.
E ao irromper da controvérsia, porque Ramón estava mais inclinado a realçar as questões de pormenor doutrinal, o Sufi encontrava duas ou três razões que invalidavam uma discussão sincera.
– Conta-nos a tua conversão – pediu a certa altura Abu Ichac – e diz-nos que estádio alcançaste e que graças recebeste.
Ramón expandiu-se, então, sobre a vida libertina e negligente que fora a sua até à aparição do Crucificado. E os Sufis reencontraram na história de Ramón algumas chispas da sua própria perseguição da vida mística, a busca do recolhimento, o constante temor de Deus, o fortalecimento da vontade pela negação de si, a renúncia até aos prazeres permitidos, e sobretudo, aquela prática fundamental do dhikr, a que Ramón chamou rememoração de Deus. Como não tinha no activo grandes milagres, nem provocara eventos fora do curso natural das coisas, falou da iluminação e do método que encontrara para provar sem rodeios a sua Fé. Isto motivou a congregação, que quis saber como se movia a máquina que Ramón apresentava.
Ele descreveu-lhes então as figuras e as regras da Arte Combinatória e por um momento se julgou de volta a Miramar, onde os seus frades o seguiam com a mesma calma resolução que estes místicos.
– É uma ideia inteiramente simples: chamo Dignidades de Deus à Sua bondade essencial, à Sua grandeza, eternidade, potência, sabedoria, vontade, virtude, verdade e glória; as Dignidades são as razões reais: a bondade de Deus, ao bonificar, é a razão do que é bom, tal como a grandeza, ao engrandecer, é a razão do que existe de grande. Sem esta acção constante das Dignidades, Deus não poderia manifestar-se. Estes princípios absolutos do Ser e da minha Arte, combinam-se entre si por meio de princípios relativos e de regras de operação que permitem encontrar todas as respostas para todas as questões. Associando, segundo as regras, as figuras que representam realidades, posso conhecer a totalidade do mundo.
Um jovem estudioso quis falar. Era dos companheiros mais cultivados, mas o que, infelizmente, caíra menos nas graças de Deus e obtivera menos benefícios espirituais.
– Sei de um livro muito semelhante – disse o enciclopédico – e vi o manuscrito há pouco tempo. O nosso cheique Hasan al-Chadeli escreveu também sobre a técnica combinatória. Responde às perguntas e adivinha os enigmas.
Ramón ofendeu-se. A sua Arte não era como a desses charlatães de feira, que predizem o futuro a rodar os círculos e substituem umas letras por outras e retribuem um verso com outro verso oracular. Desta vez, ofendeu-se o jovem Sufi, que foi obrigado a defender a probidade de al-Chadeli.
– Não é sobre palavras que opera a minha Arte – disse Ramón. – A lógica nova que proponho é contra a supremacia da gramática.
Abu Ichac apaziguou o cristão mordido na sua própria obra. Interrompeu o jovem companheiro para lhe citar o Profeta: «Aquele que acreditar em Deus e no último Dia, o melhor é calar-se, se não puder dizer bem». E pediu a Ramón perdão pela falta de hospitalidade e pormenores sobre o método com que Deus o iluminara.
Muitas horas conversaram Ramón e os Sufis. Encontrava neles a sua mesma teimosa impermeabilidade, que se conjugava à tranquilíssima audição de todos os argumentos. Louvaram juntos a contemplação. Puseram reservas aos excessos que engendra a vida unitiva – a falta de humildade, a loucura de se julgar um com Deus.
E chegado o momento de os deixar, porque se lhes atrasavam as devoções, Ramón não deu por perdido o seu tempo; achava-os tão vizinhos como no princípio, tão irredutíveis como no princípio – e lamentava apenas, com sentimentos mistos, que homens daquela qualidade e naquela quantidade, não estivessem, na guerra, do seu lado.
Abu Hafs Umar, o sultão de Túnis, era o último dos irmãos daquele al-Mostancir que Ramón Martí não pudera convencer a mudar-se de fé. Educado na corte que os Andaluzes já dominavam, tinha paixões inocentes – uma pela arquitectura religiosa de grandes proporções, uma pela poesia, outra pela caça – e pouco espicaçada a ambição. Foi Abu Hafs que decidiu escolher o mesmo título de al-Mostancir Bilah – o que procura a vitória com a ajuda de Deus – e continuar o espírito que já admirara no irmão. Manteve uma glória discreta, o culto da beleza que não compromete, a moderação em todas as coisas. A sua generosidade não o aproximou da ostentação dos perdulários e o fausto da sua corte em que abundavam os Andaluzes, poetas, oradores, sábios e homens de armas, não se arriscou nunca à imodéstia e à falta de compostura.
Abu Hafs teve aquele destino que toca por vezes os que não têm desmedidamente a vontade de poder: não intrigou e foi intrigado, não quis fazer a guerra e foi guerreado, não quis dominar e foi dominado. Pelos Árabes que o sentaram no trono e lhe extorquiram privilégios, pelos Almóadas que lhe chefiavam as tropas e lhe tratavam da administração, pelos Andaluzes que, com mansas falas, conquistavam posições. E quando o Rei de Aragão conspirou para fazer reinar um resto de um Almóada, inteiramente dos seus, um príncipe que se exilara em Valencia, Abu Hafs salvou-se apenas porque Deus quis que o pretendente sucumbisse de morte natural durante a intriga.
Sendo pacífico e muito dado à conciliação – foi assim que ficou sem uns bons bocados do reino –, Abu Hafs era menos cordato quanto à expoliação dos seus dinheiros. E, atacado por consequentes embaixadas que mandava o Rei da Sicília-Aragão, el-Ridakun, como diziam os muçulmanos, exigindo-lhe o pagamento do tributo tradicional que Túnis devia à Coroa da Sicília e ajuda monetária para as guerras que ia tendo que fazer, o sultão pagava o que tinha mesmo de pagar e, por outro lado, lançava mão a tudo o que pudesse contraminar aquele peso.
Quando o seu primeiro-ministro, Abu Abdalá al-Fazazi, entrou a falar de um tal cristão maiorquino que visitava os Sufis e andava pelas escolas a discutir com os faquis, Abu Hafs entreviu no fenómeno algum poder negociai e Ramón acabou por ser peão numa intriga política inteiramente clássica.
O jurista barcelonense Guillém Oulomar chegara a Túnis em Junho de 1292, pouco depois de Ramón, com quatro jovens falcões que Jaime 11 de Aragão mandava de presente a Abu Hafs. Em contrapartida, vinha recolher os tributos de três anos atrasados – cada um de 33 333 besantes – e pedir um investimento, sob a forma tradicional das «joyes» – ofertas – ou outra qualquer. Abu Hafs teria ainda de confirmar o estatuto da milícia e de reconhecer a plena autoridade do alcaide nomeado pelo Rei de Aragão sobre todos os soldados e cristãos do sultanato. Abu Hafs adiou o investimento e pagou o tributo, afastando assim os Catalães de contratarem uma aliança imediata com o seu rival de Bugia e estragarem o precário estado das coisas naquela zona.
Enquanto Ramón se deslocava sem alarde de comunidade em comunidade, ora acompanhado pelo franciscano que trazia debaixo de olho um grupo de nestorianos, ora ajudado pelo bizantino que frequentava os marginais, os solitários e os heréticos mais agitados, ora dirigido pelo genovês que o deitava aos escravos islamizados cujas almas eram terreno propício à conversão, Abu Hafs fez constar ao ministro, entre sorrisos, que se devia publicitar bastante aquele cristão; que era preciso não esquecer que se tratava de um amigo de infância do Rei de Maiorca – tio do Rei de Aragão –, conhecido do Rei de França, íntimo, para além do mais, de uma das famílias dominantes de Génova, entre cujos membros marítimos, um almirante Bonifácio Spinola e um capitão Henrique Spinola pelo menos, se dedicavam à pirataria e atacavam catalães, pisanos, venezianos e o mais que fosse preciso, nas águas emprestadas de Túnis.
Sugeriu o sultão, que tinha algum respeito pelo povo, que a denúncia de Ramón partisse de um elemento indignado de condição humilde. E recompensou-se a despropósito um padeiro que irrompeu no pavilhão de audiências para recitar de uma vez, muito nervoso, o que lhe tinham mandado dizer. O ministro almóada abanou a cabeça turbantizada e fez sinal aos guardas para que o levassem, perante a plácida disposição da assistência.
Abu Hafs opinou então que a ofendida piedade se desse num marabu, num religioso que convidasse a admiração do povo. E lembrou-se de um santo milagreiro que era alimentado por uma aldeia para os lados de Madia, a troco da multiplicação dos pães e dos borregos nos acontecimentos que os requeriam muito. O ministro fez então chamar este santo escondidamente e, fechando-o numa sala contígua ao harém, doutrinou-o dias a fio contra um tal, espírito maligno, que incomodava com os seus dizeres a paz perpétua da cidade. Esperto como os santos da província, muito calejado na religião simples do pão e dos borregos, o vali, após um tempo de reflexão, disse que o que se devia fazer era denunciar o trapaceiro ao sultão e apedrejá-lo na rua ao mesmo tempo com todas as forças. O ministro percebeu que ele já estava maduro e atirou-o à praça, diante da Grande Mesquita. O povo que ali parava, a quem antes era indiferente até a própria existência de Ramón, exaltou-se sem demora contra ele e mudou-se por inteiro numa multidão igual às outras, vociferante, esbracejante, pronta a todos os abusos.
Foi assim que, levando o santo à frente, subiram por ali acima, efervilhando aqueles por que passavam e entraram na kasba assustando os guardas; achando-se precipitados na sala de audiências, parados à força nos primeiros passos pelas lanças da milícia, calaram-se e empurraram o santo para a frente do sultão. Abu Hafs, que estava farto de saber ao que vinham, mandou arredar os guardas e chamou piedosamente o marabu. Confuso e tímido perante aquele esplendor, boquiabrindo-se varado perante as mumificências da sala e do sultão que usava a sua púrpura, esteve o homem a ponto de não emitir sons. Mas reunindo-se em boa hora – louvado seja Deus! – e lembrando-se da missão popular que o trouxera de Madia, deu-lhe parte da existência de um tal que provocava distúrbios na cidade e nas incluídas almas dos seus muçulmanos.
Abu Hafs pareceu contrariado. Até lhe amargou o xarope de rosas. Ficou pensativo. Voltando-se a três quartos para Ibn Soleiman at-Tinmali, o cheique dos Almóadas, quis ouvir-lhe a opinião. Esta foi que era imperativo levar o caso ao conselho semanal dos ulema e escutar aqueles homens de religião. Abu Hafs interrogou o marabu.
– É um cristão velho, de barbas brancas pela cintura, pequeno, franzino, curvado – respondeu o santo, que nunca vira Ramón. – Anda vestido como um Sufi e diz que não há só um Deus, mas vários e que o profeta Jesus é Deus feito homem.
O sultão ouviu-o, parecendo revoltar-se, mas sem perder a elegância e prometeu que mandaria prender o Nazareno que assim desrespeitava as regras da hospitalidade, da diplomacia e os acordos que havia entre os reinos. Que se Abu Hafs tivera que ceder à exigência do Rei de Aragão quanto ao livre toque dos sinos na Ifríquia, as ofensas à religião verdadeira haviam de ter limites. Dispersou a multidão, finalmente, dizendo que mandaria prender Ramón e ouviria o conselho dos ulema e os seus ministros para depois deliberar.
Na parte sudoeste da cidade, encostada à vertente que descia da kasba, floresceram desde o tempo de al-Mostancir as casas de mestres sufis, em que viviam e ensinavam. Eram sobretudo seguidores de Sidi Abu l-Hasan as-Chadeli, que morrera longe uns trinta e tantos anos antes, e que fora expulso de Túnis quando o sultão se sentira ameaçado pela força da sua baraka. Mas deixara muitos discípulos que invocavam o seu nome, o exemplo da sua piedade e, mesmo contra o seu ensinamento que ditava uma vida contemplativa, solitária e errante, cedo se juntaram em zauia.
Rodearam Ramón e o franciscano a muralha para leste e, saboreando no passeio os pomares, os jardins e os belos cultivos que os lavradores emigrados do Andaluz tratavam com mestria, passando a porta de Jazira, foram até à mesquita em que Ramón pernoitava e daí chegaram à casa que o cheique Abu Ichac dirigia. Era um edifício pequeno, de planta quadrada, como era vulgar em Túnis, e no pátio interior apinhavam-se já os Chadelia para a sessão. Arnau de Furno fez sinal a Ramón para que esperasse à porta e entrou numa cela.
Ramón ficou a rezar, recitando para si passagens do seu Livro de Santa Maria, mas demorando-se o franciscano, acabou por se sentar no meio da recolhida assembleia.
Entraram então o cheique e os companheiros e instalaram-se diante dos outros. Recitaram cem vezes «Peço perdão a Deus», e outras cem «Meu Deus, abençoa o Nosso Senhor Maomé, o Profeta iletrado, a sua família e os seus companheiros». E ainda outras cem: «Não há outro Deus senão Deus». Iniciaram então as prostrações do ritual e sentaram-se para ouvir o cheique recitar o Kitab al-Ucva de Sidi Hasan Chadeli.
Ramón deixou de esperar o seu momento. Tomou os grãos de café que um vizinho lhe estendia de bandeja, mascou-os atenciosamente e internou-se, apertado no meio dos muçulmanos, numa noite de íntima e solitária oração. Lembrava-se de ter vigiado, indiferente, a porta que tragara Arnau de Furno; vira-o recortado contra a parede branca e reparara no sinal que lhe fizera – parecia ter querido dizer que estava tudo combinado, que descansasse. Agora suspeitava que ele e o chadeli não viriam à fala tão cedo. Aquelas vigílias sabia que duravam até ao nascer do Sol e preparou-se, por isso, para uma frutuosa noite em claro.
Foi só na tarde do dia seguinte que pôde ver de perto Abu Ichac. Decidindo-se a passar sem intermediários, entrou no pátio deserto e seguiu o som das vozes. Eis o que ele ouviu:
– Contam os nossos virtuosos antepassados (Deus tenha compaixão deles!) que há uma ilha na Índia, situada na linha equatorial, em que nascem os homens sem pai nem mãe, porque é o clima daquele lugar o mais temperado da Terra e o mais bem disposto a receber os raios de luz da região mais alta. No centro desta ilha havia uma argila ou terra que fermentara ao longo dos anos, de modo que o calor e o frio, o seco e o húmido se misturaram nela em partes iguais e em perfeito equilíbrio de forças. A parte central daquela terra era a mais proporcionada e a que mostrava a semelhança mais perfeita ao composto humano; ao agitar-se produziu, pela sua viscosidade, umas bolhas, como as da água a ferver. No centro, apareceu uma bolha pequeníssima, dividida em duas partes por uma membrana muito fina e cheia de um corpo subtil, aéreo, constituído exactamente segundo as proporções convenientes. Então uniu-se a este corpo o espírito que emana de Deus, numa união tão perfeita, que nem os sentidos, nem a Razão podem conceber que se separem.
A um sinal do mestre, o declamador calou-se, mandou sentar Ramón que ficara ao canto, esperando, encostado à parede, e fez sinal ao companheiro seguinte para que continuasse:
– Formado completamente este corpo, abriram-se as envolturas que o protegiam, como no parto, e rachou-se a argila pela acção da secura. A criança começou a chorar de fome e uma gazela que tinha perdido a cria acorreu a alimentá-la.
Haii cresceu no meio das gazelas e dos outros animais. Olhando-os, revestidos de lã, de pelo, de penas, observando-lhes a rapidez da corrida, a força e as armas com que os dotara a Natureza, comparando-os à sua própria nudez e desprovimento, achava-se inferior a eles e apoquentava-se com isso.
A gazela que o amamentara morreu, passados alguns anos. Haii, que se habituara à observação de tudo o que o rodeava, rasgou-lhe o peito, suspeitando encontrar no órgão central a causa da doença e a razão da morte. Abriu o coração onde reside o espírito e encontrou nele duas cavidades: uma do lado esquerdo, outra do lado direito. A do lado direito estava cheia de sangue coagulado; a outra, vazia, completamente. «É preciso – reflectiu – que o que eu procuro se encontre num destes dois compartimentos. No da direita não vejo mais que sangue coagulado. O da esquerda está vazio; no entanto, não posso acreditar que esta cavidade seja inútil. Creio que aquilo que busco estava nela, mas foi-se e deixou-a vazia». E quando viu que o ser que habitava aquele compartimento partira antes da sua desagregação, abandonando-o ainda intacto, julgou mais natural concluir que não havia de regressar. E o corpo pareceu-lhe então sem valor, comparado com aquele ser que o tinha abandonado e que era seu motor e dono, e concentrou-se nele. E só a ele, daí em diante, teve amor.
Também se calou este discípulo para continuar o seguinte:
– Haii perseverou e meditou sobre aquilo que governava o corpo, sem compreender o que era. Ocorreu certo dia que, ao esfregar uma contra a outra duas canas secas, Haii fez, por acaso, fogo. Quando se deu conta do que fizera, ficou aterrado e observou depois que se tratava de uma natureza que até então desconhecera. Deteve-se, cheio de admiração, sem deixar de se aproximar dele lentamente. Viu o esplendor da sua chama, a acção irresistível que exercia sobre tudo o que dele se acercava e que era imediatamente convertido na própria natureza do fogo. E, ao notar que se movia verticalmente, tendendo para cima, mais se lhe robustecia a crença de que o fogo era uma das substâncias celestiais que vagamente percebia. Aumentando a sua admiração por aquela força, Haii chegou a pensar se o que desaparecera do coração da gazela não seria uma substância do mesmo género. Confirmou-o nesta ideia o que tinha observado nos animais, que estão quentes em vida e frios depois de mortos.
O contador seguinte adiantou a história de Haii até ao ponto em que este descobre a ideia de Deus. Concluídas as observações do mundo material, o pensador solitário achega-se ao estudo da alma e das formas, pela simples força e engenho da sua Razão. Surgiu-lhe a certo ponto inevitável a ideia de um fazedor das formas, um agente produtor incorpóreo, que não está unido a nenhum corpo sensível, nem separado dele, nem dentro, nem fora, posto que a união e a separação, a interioridade e a exterioridade são qualidades corpóreas de que está isento.
Ramón ouviu depois, da boca do mais jovem discípulo, como Haii se concentrara na captação dessa natureza elusiva, autora do mundo e dos seres e como a conhecera através da sua própria essência, porque descobrira nela impresso o conhecimento de Deus. Era este o estado da visão intuitiva de que Haii não queria já separar-se. Pôs então limitações à sua vida material, necessárias à manutenção daquele estado e escolheu as classes e a quantidade dos alimentos que devia tomar, procurando assim assemelhar-se quanto pudesse ao Ser Necessário; e, recorrendo ao movimento de rotação, à imitação das esferas celestes, rodava o corpo até se desvanecerem as coisas sensíveis – e nalguns instantes se lhe purificava o entendimento e Haii obtinha a visão intuitiva de Deus. Por meio do repouso e da imobilidade, alimentando-se do estritamente necessário, Haii quis eliminar os atributos da corporeidade. «Depois de ter perdido na Visão a noção da sua própria essência e de todas as outras essências – disse o Sufi – não vendo na existência senão o Uno, o Imutável, depois de ver intuitivamente o que viu e voltar a ver as coisas distintas de Deus ao despertar daquele estado semelhante à embriaguez, ocorreu a Haii que ele não tinha essência que o distinguisse da Verdade; que a realidade da sua essência era a essência da Verdade.»
– Conta-se ainda que numa ilha próxima viviam dois jovens virtuosos e amantes do Bem, chamados Asal e Salaman. Asal era muito sagaz e penetrante quanto ao sentido íntimo das coisas e, por isso, partidário da interpretação alegórica; Salaman, pelo contrário, preferia o sentido exterior, abstendo-se da interpretação, do exame livre e da especulação. Asal, querendo meditar mais profundamente, decidiu partir para a ilha que ele julgava deserta e que era aquela em que Haii vivia.
Um dia em que Haii, afastando-se do estado contemplativo, saíra da sua gruta para procurar alguns frutos, encontraram-se os dois sábios e, após natural suspeita e mútuo maravilhamento, vieram à fala. Haii ibn Iaqzan nunca vira um ser humano, nem conhecia a linguagem. Asal ensinou-o e foi descobrindo nele, estupefacto, os princípios e as ideias pelas quais ele próprio se regia. Teve em muita conta a inteligência e a sabedoria de Haii e acedeu quando este mostrou desejo de dar a conhecer aos habitantes da ilha vizinha a Verdade com que lograra familiarizar-se.
Mas na ilha, infelizmente, não alcançam senão provocar a desconfiança e a hostilidade dos populares. E recomendando-lhes muito que sigam à risca a letra dos textos sagrados e se guiem de perto pelas regras estabelecidas na Tradição, regressam ambos à ilha deserta para se entregarem, sem outras ilusões, à vida mística.
– O mundo aqui de baixo e o outro são como duas coesposas – comentou o cheique, sorrindo – se queremos satisfazer uma, irritamos a outra.
Sorriram todos. Preparavam-se para ouvir o mestre e começar a discussão. Ramón assistia, emocionado. Impressionava-o, mais uma vez, a proximidade, o ar de família, a inteligência que sentia com aqueles homens – e não o intrigava que admirasse muçulmanos singulares, enquanto odiava o Islão em geral. Já em Maiorca, quando visitava com o escravo as comunidades sufis, não continha a reverência por aquelas demonstrações de piedade magnífica, cujo recolhimento louvava e cuja doutrina assimilava à sua própria exactíssima fé: a de que não há realidade senão a Realidade e tudo no mundo a revela e indica. «Para onde quer que olhes, aí está a Face de Deus», dizia o Corão. Deus é amor de si, amor que se ama a si próprio. Os Nomes de Deus são fonte, causa e raiz de tudo o que existe. E tudo é mais, ou é menos, na Criação, conforme o grau de conhecimento que Deles tiver. Contavam-lhe agora a alegoria do Homem Selvagem que por força apenas da sua Razão chega aos mesmos princípios da Fé Revelada no Livro Sagrado – e a Ramón dói-lhe, mais uma vez, a persistência daqueles santos homens nos seus erros, a má aplicação que fazem dos bons princípios. Porque se é o homem o espelho côncavo da Criação, incendiando-a com os raios que recebe directamente do alto, é a ele que cabe, em primeira mão, decifrar os sinais de Deus e ouvir as Suas vozes; porque nele está a semente do conhecimento que Deus terá de si próprio e usando-a com discernimento, chegará o pensador solitário, em todo o lado, às mesmas conclusões, achadas nesse estado de intimidade com a Inteligência – das muitas línguas do Ser, fará uma única Tradução.
Porque não admitem eles, então, o mistério da Trindade, a pessoa divina de Cristo? Porque negam a realidade da Crucificação, a trindade das pessoas em Deus? E se alguns são levados a supor uma fictícia Ideia de Maomé, que permita religar o transcendente e o imanente e redimir este – como um Cristo –, não eram esses senão os místicos mais exasperados que atraíam as sempre prontas suspeitas do Islão.
– Muito certo foi muito do que ouvi – começou Ramón – mas eu digo, ao contrário, que não se deve isolar a gente numa ilha, mas batalhar com os desentendidos até que vejam e reconheçam o erro.
O cheique inclinou-se para o companheiro mais próximo que lhe bichanou a informação. Fez sinal para que Ramón se aproximasse, o que ele conseguiu com alguma majestade, embora houvesse pouco espaço por onde se mover.
– Sou Ramón Llull e conheci um dos teus mestres, há muitíssimos anos, quando passava por Barcelona. Tenho visitado as vossas casas e discutido as vossas opiniões, com autorização do Rei.
– Sabes traduzir? – perguntou o cheique, curioso. Ramón curvou-se e assentiu. Conhecia de cor aquelas cerimónias longas que precediam a discussão. Os rodeios, as formas da retórica, as atitudes que recomendavam sorrisos de parte a parte e sossego. Primeiro era preciso ganhar a confiança. Isso fazia-o ele facilmente revelando o que sabia do Corão e citando proficuamente as fontes da Tradição; depois inquiriam eles, sem parecer que interrogavam, procurando saber ao que viera, suspeitando ainda de algum ardil. E era preciso ouvi-los sem se sobressaltar, falar-lhes sem os ofender, mas saber desafiá-los para a controvérsia sem receio:
– Não é também a tua opinião, que devemos ir junto daqueles que não acreditam e conhecer-lhes as razões e trocar com essas os argumentos da nossa fé? O instrumento deste combate é, como na fábula que vos ouvi contar, a Razão una e universal. É dela que usarei para, se me quiseres ouvir e me deres oportunidade, provar por razões necessárias os dogmas da essência trinitária de Deus e da Encarnação do Verbo. E farei tudo isto de tal modo que a tua inteligência não poderá responder, nem resolver as questões que apresento. E assim penso eu reduzir-te à fé católica.
– Diz a Tradição do Profeta – sorriu o Sufi – que é superior a guerra que devemos à nossa alma carnal; inferior é batalhar contra o Infiel.
Ramón não quis entrar por ali. Vendo que o cristão não resistia ao desejo de confronto, o Sufi arrumou-se e aprumou-se para o concurso. Percorreu os companheiros um arrepio de louvor pelo seu campeão; e ele não podia dissimular que a agilidade com que aceitara o repto tinha a ver com a antecipação de uma vitória sem dificuldades.
Mas a guerra preparada cedo se volveu em plácida conversa de irmãos. Quando Ramón argumentava sobre a necessidade da essência trinitária de Deus, não o surpreendeu que Abu Ichac lhe respondesse com a mística trindade do Amor, do Amante e do Amado, que Ramón já incluíra no seu Blaquerna.
– A todo o instante – disse o cheique –, com cada língua, o Amor sussurra o seu segredo ao seu próprio ouvido; em cada momento, com cada um dos ouvidos, ouve as suas próprias palavras, proferidas pela sua própria boca. Em cada minuto, com todos os olhos, revela ao seu próprio olhar a sua beleza; em cada segundo, em todo o lado, apresenta a si mesmo o seu próprio ser como testemunha.
E ao irromper da controvérsia, porque Ramón estava mais inclinado a realçar as questões de pormenor doutrinal, o Sufi encontrava duas ou três razões que invalidavam uma discussão sincera.
– Conta-nos a tua conversão – pediu a certa altura Abu Ichac – e diz-nos que estádio alcançaste e que graças recebeste.
Ramón expandiu-se, então, sobre a vida libertina e negligente que fora a sua até à aparição do Crucificado. E os Sufis reencontraram na história de Ramón algumas chispas da sua própria perseguição da vida mística, a busca do recolhimento, o constante temor de Deus, o fortalecimento da vontade pela negação de si, a renúncia até aos prazeres permitidos, e sobretudo, aquela prática fundamental do dhikr, a que Ramón chamou rememoração de Deus. Como não tinha no activo grandes milagres, nem provocara eventos fora do curso natural das coisas, falou da iluminação e do método que encontrara para provar sem rodeios a sua Fé. Isto motivou a congregação, que quis saber como se movia a máquina que Ramón apresentava.
Ele descreveu-lhes então as figuras e as regras da Arte Combinatória e por um momento se julgou de volta a Miramar, onde os seus frades o seguiam com a mesma calma resolução que estes místicos.
– É uma ideia inteiramente simples: chamo Dignidades de Deus à Sua bondade essencial, à Sua grandeza, eternidade, potência, sabedoria, vontade, virtude, verdade e glória; as Dignidades são as razões reais: a bondade de Deus, ao bonificar, é a razão do que é bom, tal como a grandeza, ao engrandecer, é a razão do que existe de grande. Sem esta acção constante das Dignidades, Deus não poderia manifestar-se. Estes princípios absolutos do Ser e da minha Arte, combinam-se entre si por meio de princípios relativos e de regras de operação que permitem encontrar todas as respostas para todas as questões. Associando, segundo as regras, as figuras que representam realidades, posso conhecer a totalidade do mundo.
Um jovem estudioso quis falar. Era dos companheiros mais cultivados, mas o que, infelizmente, caíra menos nas graças de Deus e obtivera menos benefícios espirituais.
– Sei de um livro muito semelhante – disse o enciclopédico – e vi o manuscrito há pouco tempo. O nosso cheique Hasan al-Chadeli escreveu também sobre a técnica combinatória. Responde às perguntas e adivinha os enigmas.
Ramón ofendeu-se. A sua Arte não era como a desses charlatães de feira, que predizem o futuro a rodar os círculos e substituem umas letras por outras e retribuem um verso com outro verso oracular. Desta vez, ofendeu-se o jovem Sufi, que foi obrigado a defender a probidade de al-Chadeli.
– Não é sobre palavras que opera a minha Arte – disse Ramón. – A lógica nova que proponho é contra a supremacia da gramática.
Abu Ichac apaziguou o cristão mordido na sua própria obra. Interrompeu o jovem companheiro para lhe citar o Profeta: «Aquele que acreditar em Deus e no último Dia, o melhor é calar-se, se não puder dizer bem». E pediu a Ramón perdão pela falta de hospitalidade e pormenores sobre o método com que Deus o iluminara.
Muitas horas conversaram Ramón e os Sufis. Encontrava neles a sua mesma teimosa impermeabilidade, que se conjugava à tranquilíssima audição de todos os argumentos. Louvaram juntos a contemplação. Puseram reservas aos excessos que engendra a vida unitiva – a falta de humildade, a loucura de se julgar um com Deus.
E chegado o momento de os deixar, porque se lhes atrasavam as devoções, Ramón não deu por perdido o seu tempo; achava-os tão vizinhos como no princípio, tão irredutíveis como no princípio – e lamentava apenas, com sentimentos mistos, que homens daquela qualidade e naquela quantidade, não estivessem, na guerra, do seu lado.
Abu Hafs Umar, o sultão de Túnis, era o último dos irmãos daquele al-Mostancir que Ramón Martí não pudera convencer a mudar-se de fé. Educado na corte que os Andaluzes já dominavam, tinha paixões inocentes – uma pela arquitectura religiosa de grandes proporções, uma pela poesia, outra pela caça – e pouco espicaçada a ambição. Foi Abu Hafs que decidiu escolher o mesmo título de al-Mostancir Bilah – o que procura a vitória com a ajuda de Deus – e continuar o espírito que já admirara no irmão. Manteve uma glória discreta, o culto da beleza que não compromete, a moderação em todas as coisas. A sua generosidade não o aproximou da ostentação dos perdulários e o fausto da sua corte em que abundavam os Andaluzes, poetas, oradores, sábios e homens de armas, não se arriscou nunca à imodéstia e à falta de compostura.
Abu Hafs teve aquele destino que toca por vezes os que não têm desmedidamente a vontade de poder: não intrigou e foi intrigado, não quis fazer a guerra e foi guerreado, não quis dominar e foi dominado. Pelos Árabes que o sentaram no trono e lhe extorquiram privilégios, pelos Almóadas que lhe chefiavam as tropas e lhe tratavam da administração, pelos Andaluzes que, com mansas falas, conquistavam posições. E quando o Rei de Aragão conspirou para fazer reinar um resto de um Almóada, inteiramente dos seus, um príncipe que se exilara em Valencia, Abu Hafs salvou-se apenas porque Deus quis que o pretendente sucumbisse de morte natural durante a intriga.
Sendo pacífico e muito dado à conciliação – foi assim que ficou sem uns bons bocados do reino –, Abu Hafs era menos cordato quanto à expoliação dos seus dinheiros. E, atacado por consequentes embaixadas que mandava o Rei da Sicília-Aragão, el-Ridakun, como diziam os muçulmanos, exigindo-lhe o pagamento do tributo tradicional que Túnis devia à Coroa da Sicília e ajuda monetária para as guerras que ia tendo que fazer, o sultão pagava o que tinha mesmo de pagar e, por outro lado, lançava mão a tudo o que pudesse contraminar aquele peso.
Quando o seu primeiro-ministro, Abu Abdalá al-Fazazi, entrou a falar de um tal cristão maiorquino que visitava os Sufis e andava pelas escolas a discutir com os faquis, Abu Hafs entreviu no fenómeno algum poder negociai e Ramón acabou por ser peão numa intriga política inteiramente clássica.
O jurista barcelonense Guillém Oulomar chegara a Túnis em Junho de 1292, pouco depois de Ramón, com quatro jovens falcões que Jaime 11 de Aragão mandava de presente a Abu Hafs. Em contrapartida, vinha recolher os tributos de três anos atrasados – cada um de 33 333 besantes – e pedir um investimento, sob a forma tradicional das «joyes» – ofertas – ou outra qualquer. Abu Hafs teria ainda de confirmar o estatuto da milícia e de reconhecer a plena autoridade do alcaide nomeado pelo Rei de Aragão sobre todos os soldados e cristãos do sultanato. Abu Hafs adiou o investimento e pagou o tributo, afastando assim os Catalães de contratarem uma aliança imediata com o seu rival de Bugia e estragarem o precário estado das coisas naquela zona.
Enquanto Ramón se deslocava sem alarde de comunidade em comunidade, ora acompanhado pelo franciscano que trazia debaixo de olho um grupo de nestorianos, ora ajudado pelo bizantino que frequentava os marginais, os solitários e os heréticos mais agitados, ora dirigido pelo genovês que o deitava aos escravos islamizados cujas almas eram terreno propício à conversão, Abu Hafs fez constar ao ministro, entre sorrisos, que se devia publicitar bastante aquele cristão; que era preciso não esquecer que se tratava de um amigo de infância do Rei de Maiorca – tio do Rei de Aragão –, conhecido do Rei de França, íntimo, para além do mais, de uma das famílias dominantes de Génova, entre cujos membros marítimos, um almirante Bonifácio Spinola e um capitão Henrique Spinola pelo menos, se dedicavam à pirataria e atacavam catalães, pisanos, venezianos e o mais que fosse preciso, nas águas emprestadas de Túnis.
Sugeriu o sultão, que tinha algum respeito pelo povo, que a denúncia de Ramón partisse de um elemento indignado de condição humilde. E recompensou-se a despropósito um padeiro que irrompeu no pavilhão de audiências para recitar de uma vez, muito nervoso, o que lhe tinham mandado dizer. O ministro almóada abanou a cabeça turbantizada e fez sinal aos guardas para que o levassem, perante a plácida disposição da assistência.
Abu Hafs opinou então que a ofendida piedade se desse num marabu, num religioso que convidasse a admiração do povo. E lembrou-se de um santo milagreiro que era alimentado por uma aldeia para os lados de Madia, a troco da multiplicação dos pães e dos borregos nos acontecimentos que os requeriam muito. O ministro fez então chamar este santo escondidamente e, fechando-o numa sala contígua ao harém, doutrinou-o dias a fio contra um tal, espírito maligno, que incomodava com os seus dizeres a paz perpétua da cidade. Esperto como os santos da província, muito calejado na religião simples do pão e dos borregos, o vali, após um tempo de reflexão, disse que o que se devia fazer era denunciar o trapaceiro ao sultão e apedrejá-lo na rua ao mesmo tempo com todas as forças. O ministro percebeu que ele já estava maduro e atirou-o à praça, diante da Grande Mesquita. O povo que ali parava, a quem antes era indiferente até a própria existência de Ramón, exaltou-se sem demora contra ele e mudou-se por inteiro numa multidão igual às outras, vociferante, esbracejante, pronta a todos os abusos.
Foi assim que, levando o santo à frente, subiram por ali acima, efervilhando aqueles por que passavam e entraram na kasba assustando os guardas; achando-se precipitados na sala de audiências, parados à força nos primeiros passos pelas lanças da milícia, calaram-se e empurraram o santo para a frente do sultão. Abu Hafs, que estava farto de saber ao que vinham, mandou arredar os guardas e chamou piedosamente o marabu. Confuso e tímido perante aquele esplendor, boquiabrindo-se varado perante as mumificências da sala e do sultão que usava a sua púrpura, esteve o homem a ponto de não emitir sons. Mas reunindo-se em boa hora – louvado seja Deus! – e lembrando-se da missão popular que o trouxera de Madia, deu-lhe parte da existência de um tal que provocava distúrbios na cidade e nas incluídas almas dos seus muçulmanos.
Abu Hafs pareceu contrariado. Até lhe amargou o xarope de rosas. Ficou pensativo. Voltando-se a três quartos para Ibn Soleiman at-Tinmali, o cheique dos Almóadas, quis ouvir-lhe a opinião. Esta foi que era imperativo levar o caso ao conselho semanal dos ulema e escutar aqueles homens de religião. Abu Hafs interrogou o marabu.
– É um cristão velho, de barbas brancas pela cintura, pequeno, franzino, curvado – respondeu o santo, que nunca vira Ramón. – Anda vestido como um Sufi e diz que não há só um Deus, mas vários e que o profeta Jesus é Deus feito homem.
O sultão ouviu-o, parecendo revoltar-se, mas sem perder a elegância e prometeu que mandaria prender o Nazareno que assim desrespeitava as regras da hospitalidade, da diplomacia e os acordos que havia entre os reinos. Que se Abu Hafs tivera que ceder à exigência do Rei de Aragão quanto ao livre toque dos sinos na Ifríquia, as ofensas à religião verdadeira haviam de ter limites. Dispersou a multidão, finalmente, dizendo que mandaria prender Ramón e ouviria o conselho dos ulema e os seus ministros para depois deliberar.
na imprensa
Recensão de Maria Helena Sansão, in Colóquio Letras